O papel da ciência no desastre da Vale em Brumadinho, Minas Gerais

Sérgio Viana Peixoto*

No dia 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, de propriedade da mineradora Vale S.A., teve importantes impactos socioambientais, econômicos e para saúde das populações da região. No entanto, além dos efeitos imediatos, sabe-se que muitos outros poderão se manifestar de forma tardia, exigindo o monitoramento da população atingida. Entre esses efeitos, destaca-se o importante impacto para saúde mental em toda população residente no município, provocado por sentimentos de medo, horror, impotência e alterações das relações socioafetivas na comunidade, devido ao grande número de óbitos registrado. Além disso, a grande quantidade de rejeitos de minério liberada no município, e em toda bacia do Rio Paraopeba, apresenta uma potencial fonte de exposição a metais, se constituindo em mais uma preocupação para essa população.

Estudos conduzidos em outros países, mostraram que populações expostas a grandes desastres, como terremotos e atentados terroristas, apresentaram aumento de transtornos mentais, doenças respiratórias e cardiovasculares, obesidade, além de aumento do consumo de álcool, tabaco e outras drogas ao longo do tempo. Essas evidências demonstram que o perfil de adoecimento pode sofrer modificações após a ocorrência desses desastres, exigindo adaptações dos serviços de saúde para atender de forma adequada à população atingida. Frente a essas evidências, o monitoramento periódico das populações atingidas, gerando informações para melhor atender às demandas existentes, é de extrema importância.

No Brasil, não há estudos de acompanhamento, em médio e longo prazos, de populações atingidas por grandes desastres. Para suprir essa lacuna do conhecimento, o Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia, contratou uma pesquisa para monitoramento da população residente no município, denominada “Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho”. Esse programa é composto por dois estudos que irão acompanhar, ao longo do tempo, dois grupos de moradores de Brumadinho. Um deles será constituído por cerca de 4.000 indivíduos com 12 anos ou mais de idade, residentes em todas as regiões do município, que participarão de uma ampla entrevista, exames físicos e coleta de sangue e urina. Outro grupo será composto por cerca de 200 crianças, com 0 a 4 anos à época do rompimento da barragem, residentes em áreas diretamente atingidas pela lama de rejeitos, que serão monitoradas quanto ao crescimento e desenvolvimento infantil. A equipe do projeto irá visitar esses participantes anualmente, coletando informações sobre condições de vida e saúde e fornecendo dados à Secretaria Municipal de Saúde, contribuindo com o planejamento adequado de ações para melhor atender à demanda da população. Entre os exames realizados, diversos metais de interesse para Saúde Pública serão pesquisados, de modo a verificar a possível exposição aos resíduos da lama e seu impacto na saúde dos moradores, em especial, o possível efeito desses metais no desenvolvimento infantil, considerando que as crianças constituem um grupo de maior vulnerabilidade a esses efeitos.

Portanto, além de gerar conhecimento científico inédito no país, pesquisas científicas que avaliem de forma periódica a saúde física e mental de populações que vivenciaram grandes desastres, utilizando metodologias padronizadas para a coleta dessas informações, são fundamentais para que os moradores conheçam suas condições de saúde e para que os serviços possam se planejar de forma adequada para atender à população atingida. Esse conhecimento favorece, portanto, a gestão de risco do desastre, contribuindo para minimizar os efeitos dessa tragédia.

Além de contribuir para a estruturação do serviço de saúde local, o conhecimento gerado por esse estudo pode auxiliar o planejamento de ações em saúde de outros municípios que poderão vivenciar a experiência de um grande desastre, natural ou tecnológico. Esse conhecimento pode ser usado para construção de Planos de Preparação e Respostas nesses locais, que deverão considerar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e as características de cada população, sobretudo em relação às vulnerabilidades das mesmas.

Dessa forma, esse estudo é mais um exemplo de como a ciência pode contribuir para a melhoria das condições de vida e saúde das pessoas e para o fortalecimento do SUS.

* Pesquisador em Saúde Pública do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) e Professor Associado da Escola de Enfermagem (UFMG)

sergio.peixoto@fiocruz.br

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Intervenção fotográfica, na Av. Paulista da plataforma ‘Meu corpo resiste — OUTRAS MULHERES’ do fotógrafo Leandro Moraes. Foto: Roberto Parizotti

 

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