O espelho e a faca: uma leitura de Torto Arado

Alexandra Lima da Silva

“Arado. Substantivo masculino. Instrumento para lavrar a terra. A lavoura, a vida agrícola”. Provavelmente, pessoas nascidas e criadas nos centros urbanos brasileiros nunca manusearam um arado. Nunca precisaram arar a terra para ter o que comer. Muita gente que vive nos centros urbanos não sabe que a terra arada é a fonte de vida. A terra também é a causa da morte de muita gente. Uma gente que tem cor e classe no Brasil Arado. Irado. Feroz. Violento. 

O brilho intenso da faca que seduziu as irmãs Belonísia e Bibiana também me fisgou. Eu também fiquei encantada pelo brilho das palavras de Itamar Vieira Júnior em seu Torto Arado, premiado romance publicado pela Todavia, em 2019. 

Ausência. 

Duas irmãs, conectadas por uma ausência. Bibiana e Belonísia se complementavam, de forma simbiótica.

Leitura impactante, as vozes de Bibiana e Belonísia ecoaram por um tempo em mim. Como num encantamento. A vontade de ver a própria imagem refletida era forte porque faltavam-lhes espelhos, por isso, improvisavam nos pedaços, nos fragmentos:

“Espelho não era coisa comum por ali. Havia pedaços de espelho de Donna, que podíamos admirar vez ou outra, enquanto desarrumava e arrumava sua mala naquela rotina instituída na sua caduquice. Mas espelho mesmo, acessível para nos observarmos, era apenas o espelho d’água dos rios com seu líquido escuro e ferruginoso, onde nos víamos negras num espelho também negro, talvez criado exatamente para nos descobrirmos.” (VIEIRA Jr, 2019, p. 32). 

Na ausência de espelho, as meninas foram seduzidas pela faca. Uma faca suja de sangue, coberta de morte. Silêncio, sangue e morte atravessaram as existências das duas irmãs.  

Mas é na terra arada que a vida também nasce…

Para saber mais:

VIEIRA JR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019. 


Imagem de destaque: Todavia / Divulgação

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