O Ensino da Ditadura nas Escolas (Parte I)

 Antonio Carlos Will Ludwig

O jornal A Folha de São Paulo, em meados do ano passado, colocou em andamento uma  campanha voltada para a defesa do regime democrático. No  início dela ocorreu a exposição de um mea-culpa porquanto emergiu a confissão de que foi um erro ter concedido apoio ao regime castrense que durou vinte anos. Tal campanha tem por finalidade destacada  relembrar os condenáveis acontecimentos do passado tendo em vista principalmente as gerações mais novas com o objetivo de imunizá-las contra qualquer projeto autoritário e torná-las adeptas incondicionais da democracia. Seu fundamento é a sólida e respeitável concepção dialética da história a qual admite a possibilidade de reincidência de um fato já ocorrido  porém de maneira diferenciada uma vez que obviamente inclui novos motivos, novos personagens e novas condições.     

Vale notar que este importante empreendimento a favor da democracia surgiu em meio a outras iniciativas direcionadas ao mesmo escopo tais como as marchas protagonizadas por torcidas de futebol, a aparição dos movimentos  estamos juntos e somos 70% e o empenho de um dos ministros do Supremo Tribunal Federal em articular um cinturão antigolpe. Observe-se também que estas ações expurgaram do esquecimento as reprováveis ocorrências dos tempos idos consequente da promulgação da lei da anistia. Alguns fatores  foram determinantes para o aparecimento dessas diligências e tende a ser notório que elas estão intimamente relacionadas à figura do atual presidente da república que vem exibindo várias condutas atentatórias ao regime democrático.

Parece claro, então, que a possibilidade de ocorrer a debilitação do regime democrático levou os dirigentes do mencionado jornal a colocar em ação a campanha contra a ditadura e em defesa da democracia. Concedendo realce às condenáveis ações cometidas durante o período ditatorial almeja-se que ela produza um efeito educativo no âmbito social, no sentido de tornar as pessoas, principalmente as mais jovens, refutadoras veementes de qualquer discurso e prática que vise solapar os alicerces da democracia. Embora seja possível admitir que a mesma tenha granjeado sucesso é válido supor que ela pode obter um reforço considerável se estiver havendo ressonância nas escolas porquanto elas são as principais agências educativas.

Porém, antes de abordar o que nossas instituições escolares estão fazendo em termos de ensino da ditadura convém lembrar, para efeito de comparação, o que está sendo feito em outros países que em algum momento da história foram vítimas de regimes autoritários.

Na Itália, o fascismo de Mussolini que se manteve entre as décadas de 1920 e 1940 é ensinado nas escolas de maneira peculiar. Embora oficialmente ele seja condenado se encontra presente em uma minoria de italianos um sentimento nostálgico do passado que é lembrado como um lapso faustoso, haja vista as manifestações neofascistas já ocorridas e a tentativa de torná-lo palatável durante o governo de Berlusconi. Segundo consta, seu ensino ocorre com o apoio de livros didáticos dotados de muitas informações, com base em uma visão eminentemente crítica e na forma de uma parte da história do país. Porém é observado que a merecida atenção sobre ele só começou a ocorrer na década de 1990 e o tempo disponível não tem sido suficiente para abranger toda a sua  memória por causa da progressiva diminuição dele  no decorrer dos anos.

Em relação à Espanha, o franquismo, que abarcou o período de 1939 até os primórdios dos anos 1970, não é ensinado de maneira crítica. Vale lembrar que, de modo parecido à Itália, existe uma parcela significativa da população que é saudosista da figura de Franco, haja vista que aqueles que a integram acreditam que viviam melhor em seu governo e que foram certas as ações desferidas contra o comunismo. Este resquício de saudosismo tem colaborado para minimizar a condenação ostensiva do regime de Franco e dificultar o apagamento de vestígios de sua passagem no cenário político.

Acrescente-se a isto a instauração de um pacto na passagem para a democracia, o qual contribuiu bastante para a suposta necessidade de esquecimento das barbaridades que foram praticadas. Tais ocorrências tendem a influenciar o ensino nas escolas. Com efeito, as aulas de História se inclinam a não conceder destaque para o tema do franquismo e os livros didáticos adotados destinam pouca relevância aos fatos pertinentes à atividade repressiva, às perseguições políticas e às ações sociais de resistência. 

De modo parecido à Itália, o ensino do nazismo na Alemanha também é balizado por uma perspectiva crítica que se apoia em duas diretrizes: como o povo permitiu o avanço do nazismo e o que é possível fazer para atravancar seu retorno ou bloquear o aparecimento de algo que a ele se assemelhe. Entretanto, vale lembrar que tal como na Itália e na Espanha, ainda existe um grupo minoritário de alemães que guarda boas lembranças do passado. 

Com base nessas diretrizes os professores adotam uma didática específica que consiste no emprego da leitura de depoimentos de sobreviventes, na exposição de como os nazistas pensavam e na não demonização de Hitler, porquanto ela tende a servir apenas para apresentá-lo como o grande capitaneador do holocausto e, consequentemente, livrar a população de qualquer responsabilidade pelos execráveis acontecimentos que se sucederam. Os estudantes também fazem visitas a museus e campos de concentração com vistas a tornar o passado mais tangível e provocar a atividade reflexiva pelo contato com os elementos que deles fazem parte.


Imagem de destaque: Pexels

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