O enfraquecimento da Democracia e a Educação para a Cidadania.

Antonio Carlos Will Ludwig

Em artigo publicado recentemente no Estadão, um dos articulistas que escreve sobre política mencionou, com base em relatório atual do Centro de Estudos Latino-Americano da Universidade de Havard, que “o Brasil está entre os países onde a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Ficamos atrás apenas de Polônia, Hungria e Turquia”. Ressalte-se que são países do leste europeu dotados de um indelével histórico autoritário.

Com efeito, a danificação do regime democrático em muitos países do mundo é uma ocorrência evidente. Um dos levantamentos mais hodiernos divulgado pelo ranking alemão DeMax apontou que “107 países perderam qualidades democráticas, superando com folga os 69 que avançaram”. Segundo esta pesquisa aconteceu um “aumento expressivo de regimes híbridos” os quais exibem traços democráticos e autocráticos simultaneamente. Emergiu também a situação de nosso país, que foi citado como exemplo do fenômeno da “desdemocratização”, porquanto houve recuo significativo na escala de pontuação favorável à democracia.

Esta degradação, de acordo com outro articulista do Estadão, tem a ver com a  incapacidade da própria democracia em “contemplar, de ter canais” para responder a certas frustrações das pessoas. Tem a ver também com a ação de políticos que se empenham em solapar as instituições, perseguir jornalistas, açodar opositores e  incentivar a violência. Normalmente eles exibem um perfil populista, conservador e autoritário. Constituem exemplos os governantes dos três países anteriormente citados. E segundo o que dizem estudiosos do assunto, nosso primeiro mandatário se revela um caso típico.

A respeito da conspurcação do nosso regime democrático o Instituto Igarapé, em uma de suas publicações, expôs as seguintes ameaças: cooptação, coerção, desinformação, notícias falsas, censura, intimidação, assédio, violação da privacidade, vigilância do Estado, profanação de direitos civis e políticos, violência física, abuso do poder e restrição à participação cívica.

Para tentar impedir o aviltamento da nossa democracia algumas sugestões têm sido apresentadas. Dentre elas destacam-se a escolha de lideranças comprometidas com o interesse público, a realização de pactos sociais e a construção do patriotismo cívico. Cabe expor também a iniciativa da Folha que no ano passado instituiu uma campanha contra a  ditadura e a favor da democracia com vistas a favorecer a imunização das pessoas a qualquer projeto autoritário, bem como torná-las adeptas da democracia. Vale realçar ainda a diligência do Estadão que em editoriais defendeu o encorajamento à participação cívica dos cidadãos e a implementação de um processo educativo consoante a esta proposta o qual inclui conteúdos deveras relevantes.

Revela-se perceptível que estas importantes recomendações conteudistas, embora limitadas, visam formar o denominado cidadão ativo, isto é, o personagem que se considera governante e que age para  influenciar as decisões políticas. Seu âmbito de atuação é o espaço cívico, o local onde as pessoas se constituem,  discutem e realizam ações para iluminar a opinião coletiva e insuflar os programas de governo. Ele faz parte da denominada esfera pública que é o setor da vida em sociedade acessível a todas as pessoas, onde predomina o interesse geral e a visibilidade e  a transparência são as mais amplas possíveis.

Portanto, o preparo do cidadão ativo deve constituir a meta da educação para a democracia, ou seja, para sua defesa, seu fortalecimento, sua perenidade e sua revitalização. A formação adequada deste cidadão envolve as dimensões cognitiva, afetiva e procedimental. A cognitiva diz respeito à assimilação da literacia política básica: democracia, Estado, partidos, poder, etc. A afetiva refere-se ao desenvolvimento das atitudes de respeito, tolerância, solidariedade, iniciativa e inconformismo dentre outras. A procedimental faz referência à prática do voluntariado em instituições, à atuação em movimentos sociais, ao envolvimento em campanhas comunitárias, à feitura de petições, à exposição de denúncias, à apresentação de cobranças, à realização de boicotes e demais ações pertinentes.  

Infelizmente, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos da América do Norte e nos países da Comunidade Européia, a nossa matriz curricular, recentemente aprovada e posta em prática, não apresenta nenhum compromisso para com o preparo do cidadão ativo. Ela foi estruturada para atender às exigências da globalização, do neoliberalismo e do ideário pós-moderno, cuja maioria dos educadores aderiu. É profundamente lamentável que  no momento em  que a nossa democracia vem sendo atacada e vilipendiada não contamos com um processo educativo nacional capaz de formar pessoas politicamente capacitadas para apoiá-la, protegê-la e revigorá-la.


Imagem de destaque: Monica Centelles

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