O doce cheiro do milharal

Valter Machado Fonseca

Dias atrás, me recordava dos tempos de infância, na pequena cidade onde nasci, onde podia correr livre, sem medo da violência, sem a pressa das grandes cidades. Eram dias, nos quais as coisas andavam lentamente, onde o tempo parecia parar e desta forma, podia me dar ao luxo de contemplar a vida, a paisagem. Naqueles dias, sinceramente, parecia que as pessoas se preocupavam mais em serem felizes, elas se importavam muito mais em sentir o sabor das boas coisas da vida. Verdadeiramente, naqueles tempos se sentia prazer em apreciar o simples, em curtir o aroma das manhãs, em saborear a brisa fresca do entardecer, em degustar os ares amenos que anunciavam a chegada da primavera. Como eram felizes aqueles tempos!

Lembro-me bem! Naqueles tempos sentíamos muito prazer em uma pescaria. Aliás, quaisquer riachos, córregos, por menores que fossem, davam peixe. Precisávamos andar pouco mais de 20 minutos para chegarmos a um bom ribeirão e pescar o peixe fresco. Eram incontáveis os córregos, riachos e ribeirões existentes nos arredores de minha pequena cidade. Era incontável a quantidade de pássaros, répteis, anfíbios e mamíferos existentes nas matas e campos da região. Quando voltávamos de uma pescaria, sempre nos arriscávamos no meio das lavouras de milho, feijão, arroz em busca de frutas. Quando não achávamos, ficávamos felizes com uma braçada de milho verde, que era assada à noitinha em volta de uma fogueira aconchegante. E, aquele milho tinha sabor, tinha aroma, tinha um gosto doce incomparável. Pois, não tinha agrotóxicos, pesticidas ou herbicidas.

Hoje, muitas são as vezes em que me pego a reviver aqueles felizes tempos de outrora. Uma das coisas que não me sai da memória era o sabor das frutas, das verduras, dos legumes. Hoje, tudo parece sem sabor. Tudo parece artificial, distante da natureza. Aqueles córregos e riachos já não existem mais, os pássaros, as pequenas lavouras foram literalmente devoradas pelas monoculturas e seus agrotóxicos e pelas grandes cidades. O natural foi tragado, até a última gota, pelo artificial, pelo sintético. No lugar daqueles pequenos corpos d’água, hoje nos deparamos com montanhas de lixo, suas águas já não exalam o perfume da vida, mas, ao contrário, exalam o odor da morte, da matéria em decomposição.

Hoje, as verdes matas que dominavam o nosso cerrado, foram substituídas pela monotonia das grandes lavouras voltadas, unicamente, para a exportação. As frutas, verduras e legumes se tornaram mais vistosas, porém, perderam sua essência: o aroma e o sabor. Aquela fauna que vivia no campo; hoje perambula, sem rumo, nos recantos da cidade. É muito comum, aliás, é corriqueiro nos deparamos com dezenas de animais nas pistas das rodovias, bandos de centenas e até milhares de aves nas cidades, totalmente deslocadas de seu hábitat natural. 

Por isso, de vez em quando me imagino nos campos de outrora. Nos tempos onde podia passear tranquilo, observando a beleza dos animais selvagens, nos dias em que podia sentir o perfume das belezas naturais, o sabor genuíno e natural dos alimentos. Hoje, quando caminho sozinho no campo, tento ainda, em vão, tragar o aroma das águas dos pequenos riachos que animavam a bicharada, que realçavam as flores naturais do campo na primavera. Agora, no lugar da natureza exuberante, das matas, seus sabores, aromas e frescor, nos deparamos com a “selva de pedra”, com o espaço da “natureza ausente”, do sintético, do artificial. Hoje, tudo não passa de um sonho banido de nossas vidas, infelizmente o odor dos venenos dos insumos e agrotóxicos tragou para sempre a essência da vida, tragou, sobretudo, o cheiro doce do milharal.   


Imagem de destaque: Pixabay

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