O dever de escrever sobre Direitos Humanos em tempos de retrocessos

Luiz Carlos C. B. Rena

“Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecido nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.” (Artigo II da DUDH, 1948.)

A edição de nº300 do Jornal Pensar a Educação em Pauta nos convoca a uma reflexão sobre a relevância e os sentidos do ato de escrever sobre Direitos Humanos neste momento da história e nesta publicação dirigida às educadoras e aos educadores que atuam na Educação Básica.

Os dias que se seguiram logo após o fim da 2ª Grande Guerra foram de espanto e perplexidade sobre a ausência de limites para a maldade humana. Lideranças políticas e religiosas, intelectuais e trabalhadores(as) dos quatro cantos do mundo se indagavam sobre o que fazer para assegurar o respeito à dignidade e à integridade física, psíquica e moral de toda pessoa humana em qualquer lugar do planeta. O que restou da Europa devastada e de um Japão humilhado foi um sentimento generalizado de desesperança e descrédito no humano e nas instituições, que se revelaram incapazes de construção do consenso pela palavra. Havia uma dificuldade imensa de se explicar os fatos dos bastidores da guerra que aos poucos vinham a tona, pois fugiam ao crivo da razão e dos argumentos teóricos disponíveis. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) emerge nesse contexto como um sinal de esperança e um apelo para que a humanidade retomasse seu projeto civilizatório colocando a promoção e a proteção da vida de homens e a mulheres no valor inegociável:

“Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” (Artigo III da DUDH,1948)

O compromisso com um projeto de civilização pressupunha também um pacto de reconhecimento da igualdade que nos caracteriza como espécie. Era preciso superar a ideia de que alguns humanos eram mais humanos que o outros e a falácia das sub-raças que justificaram por séculos a subjugação de povos inteiros. O discurso eurocêntrico da superioridade branca não se sustentava mais:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” (Artigo I da DUDH, 1948)

Passados 72 anos do ato formal de assinatura da Declaração pelos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) é possível afirmar que ainda há muito trabalho pela afrente no sentido de traduzir os 30 artigosda DUDH em políticas públicas, em programas de Estado, em práticas institucionais das organizações e em atitudes dos cidadãos e das cidadãs desse imenso e belo planeta Terra. Hoje, o tempo da história é marcado pela imposição da lógica do mercado que transforma tudo em mercadoria; pela radicalização dos ideais do neoliberalismo que coloca os interesses individuais acima das necessidades coletivas; pela aprofundamento do individualismo dificultando os processos coletivos e um absoluto desrespeito a natureza que já se revela exaurida pro uma exploração predatória. A incorporação da DUDH como componentes das diversas culturas espalhadas pelo mundo é trabalho para mais de uma ou duas gerações, e portanto, mais do que nunca educar para os Direitos Humanos é preciso e urgente.

Se pensarmos no cenário da escola, mesmo em tempos de pandemia, a educação para os Direitos Humanos poderia iluminar o Projeto Político-pedagógico, tornando-se eixo transversal de todas as disciplinas do currículo. A DUDH dialoga com os conteúdos de todas as áreas do conhecimento e permite uma abordagem inter e transdisciplinar dos fatos e fenômenos que alcançam a todos e todas neste momento da história. Não há como negar que a sala de aula da Educação Básica é um lugar privilegiado para apresentação da DUDHa crianças e adolescentes. Ninguém acolhe aquilo que não conhece; ninguém defende aquilo que não compreende como direito; ninguém protege a si e aos outros se não houver compromisso com o direito à vida. Educadores e educadoras conscientes da sua função social têm o dever ético de incluir os artigos da DUDH como pontos do seu programa ou como interface com aspectos do conteúdo que lhe cabe compartilhar com os e as estudantes. Promover a consciência cidadã, afirmando o direito de ter direitos é uma tarefa política que faz de cada educador(a) um ativista dos Direitos Humanos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, resistindo a cada movimento de retrocesso que se anuncia.

Aceitamos o desafio de escrever sobre Educação e Direitos Humanos, semanalmente, nesta coluna porque acreditamos que o ato de escrever sobre Direitos Humanos é uma oportunidade valiosa de provocar aqueles e aquelas que ainda não se comprometeram com a tarefa de tratar dos Direitos Humanos em suas aulas. Mas, para quem já incorporou a Declaração no seu planejamento e na sua prática didática cotidiana as reflexões dessa coluna poderão contribuir com seu trabalho docente, oferecendo perspectivas diferentes para determinados assuntos, pistas de abordagem e possibilidades de interface com o conteúdo. É essa certeza de que estamos contribuindo com a Educação para os Direitos Humanos na sala de aula e fora dela que nos sustenta nesse compromisso com os e as leitores(as) e com a Editoria desse jornal.

Ao celebrarmos a edição 300 do “Jornal Pensar a Educação em Pauta” queremos convidar leitores e leitoras a contribuir com nosso trabalho enviando sugestões de pautas, temas e relatos de experiências vividas na escola.


Imagem de destaque: 43ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, Palais des Nations, Genebra, Suíça, 25 de fevereiro de 2020. Foto: Antoine Tardy

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