Nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu?

Ruan Debian1

Artigo XX: Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

As inquietações perante as injustiças sociais fazem nascer utopias de um porvir onde as desigualdades e malvadezas do Mundo somente existirão nos livros de História. Dentro do espaço universitário, tal euforia é organizada pelos movimentos estudantis, que historicamente possuem singular papel nas principais lutas sociais enfrentadas pelo povo desde o Estado Novo.

Todavia, faz-se necessário desconstruir um ponto que paira no imaginário da imensa maioria sobre os movimentos estudantis: que todas as organizações discentes são de esquerda e, principalmente, compostas apenas por grupos socialistas e comunistas. Devido ao profundo equívoco, citaremos os seguintes exemplos.

Antes da fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 11 de agosto de 1937, encontram-se registros de organização estudantil no Brasil que remetem ao início do século XX. Em 1901 surgiu, com durabilidade efêmera, a Federação dos Estudantes Brasileiros. Nove anos depois ocorreu, em São Paulo, o I congresso de estudantes. Muitos discentes participaram da “Revolução” de 30 e, posteriormente, passaram a integrar as fileiras de lutas tanto de organizações Comunistas quanto de Integralistas. (BITTAR; BITTAR, 2014). Cabe ressaltar que o movimento integralista foi o maior partido fascista fora da Europa.

Em 1964, iniciou mais um momento trágico da história brasileira, a Ditadura Civil-Militar, que perdurou por dolorosos 21 anos. Além do Estado ser uma máquina sanguinária de repressão, contava também com forças paramilitares surgidas no seio do movimento estudantil de extrema-direita. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) teve sua gênese nas escolas superiores de Direito da USP e da Mackenzie, em 1963. Suas atuações, num primeiro momento, estavam restritas ao ambiente acadêmico. Estiveram presentes na famosa passeata em defesa do golpe, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” (LOPES, 2014, p. 223).

Esses dois exemplos supracitados, fazem parte do fascismo estudantil em nossa história. Porém, mesmo na ala à esquerda, não existe uma hegemonia ideológica. Muito pelo contrário, proliferam incontáveis organizações que vão do espectro reformista ao revolucionário. 

Elucidada a contradição mencionada poucas linhas acima, rememoramos a célebre frase de Paulo Freire: “Aos esfarrapados do mundo, e aos que neles se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles sofrem, mas sobretudo, com eles lutam.” (FREIRE, 1987, p. 12), não podemos deixar de exaltar aquelas e aqueles sujeitos das fileiras dos movimentos estudantis categorizados como radicais pelo fato de optarem pelo óbvio, lutar ao lado dos oprimidos. Essa radicalidade se faz indispensável e está ascendente no Brasil atual.

Desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, as manifestações populares estavam sendo preconizadas pelos estudantes e trabalhadores indignados com as políticas desastrosas deferidas pela sua gestão. Em 2019, as ruas foram tomadas pelo movimento carinhosamente batizado como “Tsunami da Educação” que atuou em defesa da Universidade pública. Devido à pandemia do COVID-19, houve uma trégua por parte dos Movimentos Estudantis, e de outros setores organizados da sociedade, nos atos de rua. Entretanto, diante da situação lastimável do Brasil, a negligência de Bolsonaro resultou na marca trágica de mais de 500 mil de mortos. Quando um governo é mais letal que o vírus, as ruas passam a ser a única alternativa.

Por fim, a juventude radicalizada dos Movimentos Estudantis, no espectro da esquerda, continua se organizando em toda sua fúria e formando incontáveis gerações de combatentes que estarão em todas as trincheiras de lutas em prol de um Brasil melhor para todos e todas. Guiados pelas teorias, vamos para a prática ecoando aos quatros cantos: “Nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu? Aqui está presente o Movimento Estudantil”.

 

1 – Educador popular, graduando em pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e membro do CDDH de Betim.

 

Para saber mais:

BIZZAR, Marisa; BIZZAR, Mariluce. Os movimentos estudantis na História da Educação e a luta pela democratização da universidade brasileira. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 34, p. 143-159, maio/ago. 2014.

LOPES, Gustavo Esteves. Ensaios de terrorismo: história oral de atuação do Comando de Caça aos Comunistas. Salvador: Editora Pontocom, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 7ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

 


Imagem de destaque: Fotos Públicas/Lula Marques

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