Leitura autônoma

Suelio Geraldo Pereira

Olá, amigo leitor! É isso mesmo, chama-lo-ei amigo. Apesar de não nos conhecermos pessoalmente, gostaria de ter essa liberdade e ousadia. Principalmente, por estar disponibilizando-me um pouco do seu tempo a ler essas linhas aborrecidas. Sim! Não precisa se espantar. Falo exatamente com você mesmo, leitor deste texto. Mas, não se incomode, serei breve. Quero apenas falar um pouco sobre a ação de leitura. 

O ato de ler é um exercício excepcional que o ser humano pode realizar sozinho, mas, também, com ajuda e companhia. Quando criança e, ainda, não conseguimos praticar esse ato, contamos com o apoio fundamental de outra pessoa. Sejam esses pais, irmãos, professores ou demais. Depois, independentes, lemos com “liberdade” de escolha e interpretação. Estamos em autonomia de leitura. Apenas os nossos conhecimentos prévios e a nossa capacidade em unir letras, formar vocábulos, enfim, por ordem no emaranhado de letras que os livros nos apresentam, já são suficientes para uma mínima leitura e compreensão. Essa, ao longo do tempo, irá ser mais aprofundada, abrangente a cada vez, enquanto vamos praticando o ato e vivendo as experiências da vida.

Assim, exercitamos a leitura até quase a morte. Mas, antes de chegarmos a esse final, o qual aguarda a todos, melhor será retornarmos ao início, para a infância. Em princípio, quando crianças, somos grandes aventureiros, desbravadores de mundos desconhecidos pela leitura. Para tanto, dependemos do outro, pessoas solidarias que estendem a mão para nos guiar nesse caminho que, antes, também trilhou com a ajuda de alguém. Perpetua-se, então, a ajuda, o amparo nessa fase relevante. Basilar às posteriores e para conseguirmos exercer plenamente nossa cidadania. Pois, um ser que não sabe ler e interpretar sozinho não consegue pensar, inquirir e dialogar sobre o que é lhe imposto. Formar uma solida opinião, com argumentos convincentes, para debater e defender seus direitos humanos perante a sociedade, a lei, o Estado e o outro. Portanto, é muito importante o ato de leitura, e incentivá-lo nas crianças ainda mais.

Mas, ler para as crianças, impor a sua interpretação sobre o outro, seria o bastante para formarmos bons leitores? Penso, que não somente. Devemos dar mais liberdade para que a criança autonomamente possa manusear o livro ao seu gosto. Há uma passagem no livro Infância, de Graciliano Ramos, que nos faz refletir em como a criança enfrenta, sozinha, esse ato. O menino-narrador, no texto de Ramos, é instigado pela prima Emília com uma pergunta que o assusta e o faz pensar se possui capacidade para ler: “Emília respondeu com uma pergunta que me espantou. Por que não me arriscava a tentar a leitura sozinho?” (RAMOS, 2012, p. 209).

Debatendo, tanto no interior, quanto com a prima, acreditava não ser capaz, ter a suficiente força para realizar o ato de leitura independente, sem a ajuda de alguém. Mas, para combater seu medo, os astrônomos surgem, por Emília, como aqueles que conseguem fazer a leitura do céu, algo muito mais complexo do que, para ele, um menino a iniciar sozinho sua leitura, adivinhar a página aberta diante dos seus olhos. Reunindo determinação em si, toma “coragem” (há, como é difícil ter coragem! Contudo, sempre ao longo da nossa vida, precisamos a resgatar do nosso íntimo para, assim, lidar com o novo, não é mesmo!? Pense aí, consigo mesmo, quantas vezes você recorreu a ela para poder enfrentar momentos inesperados). Mas, quando se é criança, tudo é maior, mais complicado. O mundo é enorme.

Porém, o menino de Graciliano, embora temeroso, reuniu essa coragem tão necessária e refugiou-se no quintal “(…) com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador.” (RAMOS, 2012, p. 209-20). E, nesse ato solitário da leitura, realiza um procedimento que todos deveríamos e temos que fazer, caso queiramos compreender o texto: a releitura. Reler é fundamental, principalmente quando se está iniciando na leitura. “Reli as folhas já percorridas. E as partes que se esclareciam derramavam escassa luz sobre os pontos obscuros. Personagens diminutas cresciam, vagarosamente me penetravam a inteligência espessa. Vagarosamente. (RAMOS, 2012, p. 210).

Graciliano Ramos nos presenteia, desse modo, com um excelente exemplo de batalha a ser travada no ato autônomo de leitura. O seu menino-narrador inicia, então, vagarosamente (o que é mais justo, ninguém aprende nada de supetão. É aos poucos, com calma, persistência) a leitura independente. Quando, com sua mão solta, embora com medo, assustado, cria coragem e enfrenta a leitura sozinho. Uma já preparação, para depois, adulto, combater no mundo. Guerrear nas leituras sociais.

Estender a mão para a criança e sustentá-la em seus primeiros passos é necessário, portanto. Mas deixar que ela caminhe por si só, que caia, levante, persista e não desista de tentar, também o é. Dar o apoio, como saber quando o leitor pode ir sozinho na leitura é um equilíbrio difícil que, porém, precisa ser encontrado para que cidadãos se tornem. Pois, as capacidades para interpretar, imaginar e ler autonomamente são fontes enriquecedoras da sua humanidade.

 

Para saber mais:

RAMOS, Graciliano. Infância. 47ª ed. revisada. Rio de Janeiro: Record, 2012.

VASCONCELOS, José Mauro de. O meu pé de laranja lima. 2ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975.


Imagem de destaque: Maxpixel

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