Inovação e cuidados sociossanitários: a experiência do Programa Maior Cuidado

Janaína Aredes

Peter Lloyd-Sherlock

Karla Cristina Giacomin

 Josélia Firmo

Países de renda média estão em busca de alternativas efetivas para enfrentar um desafio emergente de políticas públicas: número crescente de idosos com necessidades de cuidados, incluindo pessoas que vivem em comunidades carentes. O impacto decorrente das transições demográfica e epidemiológica responde significativamente por internações e admissões hospitalares consideradas evitáveis, o que traz repercussões diretas para o cuidado em saúde. Além de onerosas, ambas as situações expõem a pessoa idosa a novos riscos para a sua saúde. 

No cenário nacional, a cidade de Belo Horizonte destaca-se por uma iniciativa voltada para o cuidado domiciliar a idosos em condições de vulnerabilidade clínica e social: o Programa Maior Cuidado (PMC), desenvolvido na capital mineira desde 2011. De base comunitária e pautado na intersetorialidade de duas políticas públicas – saúde e assistência social – o PMC foi reconhecido pelo Ministério da Saúde como um modelo de boa prática. Um ponto central do Programa é não ficar restrito à saúde física, e sim considerar o contexto sociofamiliar e comunitário de cada idoso com a proposição de estratégias mais holísticas de apoio. Isso é especialmente relevante nos locais onde o Programa atua: comunidades carentes que enfrentam privações das mais diversas ordens.

O PMC foi objeto de uma pesquisa internacional2, cujo principal objetivo consiste na identificação de práticas exitosas que contribuam para a redução de admissões e internações desnecessárias e prolongadas de idosos brasileiros em hospitais e Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI). Trata-se do primeiro estudo de avaliação da efetividade do PMC. 

Os dados parciais3 apontaram a escassez de diretrizes, protocolos, instrumentos de gestão e revelou gargalos significativos no que se refere a operacionalização do Programa. Mas, apesar dos limites contingenciais estabelecidos pelo território, pelos serviços, pelas famílias e pelos idosos, as evidências preliminares apontam que o PMC tem sido eficaz, reconhecido e valorizado por todos os envolvidos – usuários, profissionais e familiares.  Além disso, uma evidência indireta de sua sustentabilidade e interesse público é ele ter resistido a três administrações políticas distintas no âmbito executivo municipal, apesar da carência de institucionalidade, revelada na falta de registros consistentes e de monitoramento de indicadores. Isso é incomum no Brasil: programas dessa natureza raramente duram mais que um único ciclo eleitoral4.

A divulgação dos resultados preliminares da pesquisa potencializou algumas mudanças a favor do aprimoramento do PMC e, ao mesmo tempo, revelou a sua aplicabilidade para replicação em outros contextos nacionais.

Impactos potencializados pelo estudo

  • Fortalecimento e institucionalidade do Programa: revisão de protocolos e práticas; desenvolvimento de registros mais simplificados e sistemáticos; capacitações de gestores e técnicos.
  • Construção da Portaria Conjunta5: primeiro documento oficial que institucionaliza os princípios e as diretrizes para a gestão e a operacionalização intersetorial do PMC no âmbito das Secretarias de Assistência Social e Saúde. Essa formalização foi discutida conjuntamente com técnicos e gestores em oficina promovida pela equipe do estudo.
  • Expansão na cidade de Belo Horizonte/MG: universalização do Programa para todos os CRAS do município.
  • Aplicabilidade para outros contextos locais e nacionais:  interesse de outros municípios em replicar os principais elementos do PMC adaptados ao cenário local, como Contagem (na Região Metropolitana de Belo Horizonte) e Fortaleza, capital do Estado do Ceará.

Considerando ser fundamental melhorar a efetividade e a eficiência dos serviços de cuidados sociais e de saúde para idosos, o estudo pretende desenvolver e aplicar um novo conceito em gestão da saúde: a “transferência evitável do domicílio” (TED)6. Parte-se da hipótese que a oferta de cuidados sociossanitários adequados para os idosos pode reduzir a demanda por admissões e internações hospitalares consideradas desnecessárias. No atual contexto social e econômico do Brasil – especialmente no que se refere a gestão de recursos financeiros – destacam-se os benefícios de iniciativas inovadoras – como o PMC – para prestação de cuidados integrados e o uso mais eficiente dos serviços públicos.

 

Para saber mais: 

Aredes JS et al. Integrated care in the community: the case of the Programa Maior Cuidado (Older Adult Care Program) in Belo Horizonte-Minas Gerais, BRA. International Journal of Integrated, 2021; 21(2). DOI: http://doi.org/10.5334/ijic.5619

Colombo LA, Alves AT. Políticas públicas e agendas governamentais: principais teorias. Rev Profanações, 2020; 7(esp):173-184. DOI: https://doi.org/10.24302/prof.v7iEd.%20esp..2626

Lloyd-Sherlock P et al. Meeting the complex challenge of health and social care provision for rapidly-ageing populations. Introducing the concept of “avoidable displacement from home”. Reports in Public Health, 2020; 36(3):1-12. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00162819 

 

1 – Janaína Aredes e Josélia Firmo são da Fiocruz Minas do Grupo de Pesquisa – NESP (Núcleo de Estudos em saúde pública e envelhecimento). 

2 – Peter Lloyd-Sherlock. University of East Anglia, Reino Unido. 

3 – Karla Cristina Giacomin. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. 

 

Notas:

(1) “Melhorando a efetividade e a eficiência dos serviços de cuidados sociais e de saúde para idosos”. O projeto tem como Instituição Proponente o Instituto René Rachou (FIOCRUZ/MG) e parceria internacional firmada entre o Medical Research Center (MRC) do Reino Unido e a Confederação de Fundações de Amparo à Pesquisa Brasileira, com a participação da FAPEMIG e da FUNCAP. 

 


Imagem de Destaque: Publicada no Diário Oficial do Município no dia 03 de dezembro/2019.

 

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