Indignação, coragem e esperança

Fabiana Vilas Boas 

Gleice Emerick

“A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.” 

Santo Agostinho

Talvez, ao ler a frase célebre de Agostinho, não imaginemos que ele viveu uma fase de grande ceticismo e incredulidade. Esse foi um período marcado por dificuldades pessoais e espirituais, pois as respostas do maniqueísmo e do hedonismo não o satisfaziam e ele sentia-se desamparado na busca incessante pela compreensão e mudança.

É possível que estejamos vivendo novos tempos que rememoram antigos desamparos e aflições. Nesse contexto atual, a modernidade expõe o contraditório, num ambiente com tantas vozes, o emudecimento reina ainda soberano. É tão antagônico que numa era altamente tecnológica, com tantas possibilidades de comunicação, pontos de vista, perspectivas que acenam liberdades, direitos e empoderamento, nos apercebermos, por tantas vezes violados, prisioneiros e silenciados.

Lembremos, sobretudo, que a contradição é poderosa. O silêncio pode ser muitas coisas: a secura da alma que se perdeu ou a dor que calou o espírito, como também a consciência da indignação que faz renascer a esperança.

De acordo com o dicionário a palavra indignação vem do latim “indignari” que significa indignar-se, sentir-se irado por algo que foi percebido como ofensivo, injusto ou incorreto, no campo individual e coletivo, como que por empatia e/ou identificação sente a dor da separação que gera desigualdade.  A indignação pode manifestar-se de várias formas: movimentos de mobilização e apoio mútuo que envolvem as pessoas atraídas pelos mesmos sentimentos e crenças. A indignação pode, inclusive, se materializar pelo silêncio e recuo conscientes, como na dança, em que sincronicamente se dá um passo para trás para pegar impulso dos dois passos à frente. Ela pode ser manifesta no uso inteligente de nossas vontades para alcançarmos objetivos maiores e mais amplos, ela se efetiva em liberdade quando consegue transitar principalmente no caminho da autonomia e autorresponsabilidade.

Em tempos de tantas violações dos Direitos Humanos dentro e fora da escola, esses três sentimentos são indispensáveis: indignação, coragem e esperança. E nos perguntamos: Quem somos, nessa cena da educação que busca construção pela indignação, coragem e esperança? Nossa perspectiva é daquele que pareia com o outro na igualdade do direito de e do ser humano. Nossa força reside na arma do propósito forjado na resiliência. 

Por vezes, mais do que gostaríamos, vivenciamos momentos desafiadores, vivemos mais do nunca no cotidiano, o princípio da contradição, em nossas lutas e mobilizações, no campo individual e coletivo, material e abstrato. Nossa força roubada se transforma em choro, cansaço e pausa. Mas temos pressa, porque as mesmas lágrimas que fazem o trilho salgado da face regam a terra fértil do coração. Precisa fazer sentido para nascer. 

A lágrima que brota dos olhos é naturalmente a mesma, a diferença se dá na finalidade almejada, na troca dos “porquês” pelos “pra quês”. Nessa reflexão fica a questão: Coragem pra quê?

Para transformar. De dentro pra fora, do micro para o macro, do individual para o coletivo, do nada para o todo. Indignação gera coragem e resulta na ação que pela esperança existe antes de existir. 

Assim, num processo dialético, a indignação, sentimento que denuncia nossa humanidade e capacidade de empatia, se torna o motor que impulsiona à coragem de agir em novas possibilidades por novas realidades.

Despertamos diariamente esperançados pelos raios do amanhecer, respirando fundo, enfrentamos o desafio de cada dia com a certeza de que vale a pena investir na vida, na humanidade, em nós, porque somos, humanos em evolução. Nossa natureza é transgressora por essência, para cada movimento cíclico do crescimento, demandamos transformação, a mudança é inexorável, os ritmos contudo são pessoais. Resistir a essa lei, por medo ou controle, faz parte da experiência também, mas naturalmente gera separação e logo dor.  

A biografia de Agostinho revela que ele possuía um espírito transgressor e ansioso pela transformação. Talvez, assim como nós, ele temeu, controlou e sofreu as contradições e separações e com as dores de ser humano nessa dualidade construiu alguns dos mais respeitados tratados teológicos publicados na história da humanidade. Isso de fato nos faz esperançar na confiança da mudança.

Concluímos por fim, que a indignação, coragem e esperança compõem uma família forte porque se desdobram num cordão de três dobras. São inquebráveis assim como o espírito humano que acredita na vida.

Ser educador e educadora nesse contexto, é no terreno mais árido, se nutrir da convicção de que lá no fundo tem água, e mesmo que não seja agora ela vai brotar. 

1Fabiana Vilas Boas Borges – Pós graduada em Psicopedagogia e neurolinguística,  Licenciatura, professora de Ensino Religioso e pedagoga do Ensino Fundamental na rede municipal de Educação de Betim há 25 anos, idealizadora projeto Mude sua mente mude o mundo. Ex-presidente do Conselho Municipal de Educação (Gestão 2008-2011).    

2Gleice Emerick de Oliveira – Mestre em Educação Tecnológica pelo Centro Federal de Minas Gerais. Pedagoga efetiva da Prefeitura Municipal de Betim- MG desde 1997. Consultora na área de gestão, planejamento, avaliação educacionais nos dois níveis da educação brasileira, incluindo a educação profissional técnica de nível médio e educação a distância (nível médio e educação superior). 


Imagem de destaque: Publicdomainvectors

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *