HQs em cena: o uso dos Quadrinhos no ensino de História

Rafael Vinicius da Fonseca Pereira1

Nas últimas semanas a História em Quadrinhos (HQs) tomou conta dos noticiários após uma série de ataques homofóbicos praticados pelo jogador de vôlei Maurício Souza, que atuava pelo Minas Tênis Clube. É preciso reforçar que a homofobia, há muito escancarada em nossa sociedade, é crime! O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, no dia 13 de junho de 2019, a criminalização da homofobia e da transfobia, com pena prevista de reclusão de um a três anos.

Na esteira deste episódio criminoso, as HQs foram lançadas para o centro do debate coletivo, se tornando um dos assuntos mais comentados do momento. Por isso, talvez, esse momento também seja propício para se discutir a potencialidade do uso dos Quadrinhos em sala de aula. As HQs possuem características importantes e necessárias em diversas disciplinas. A leitura dessa tipologia textual permite a compreensão de inúmeros conceitos históricos, além de desenvolver a capacidade de leitura de imagens e gráficos. A relevância deste gênero está prevista na LDB e nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996, já apontava para a necessidade de inserção de outras linguagens e manifestações artísticas no ensino fundamental e médio: 

Item II, do Parágrafo I, do art. 36 indica que entre as diretrizes para o currículo do ensino médio está o conhecimento de “formas contemporâneas de linguagem”. (LDB, 1996)

Os PCNs da área de Artes para 5ª a 8ª séries mencionam a necessidade de o aluno ser competente na leitura de histórias em quadrinho e outras formas visuais, como o desenho animado, fotografia e vídeo. (PCN, 2008, p. 67). Já os PCNs da língua portuguesa fazem referências às charges e aos quadrinhos, bem como a necessidade de uma leitura crítica desses gêneros (2008, p. 38 e p. 54). 

As HQs são fundamentais para facilitar o desenvolvimento do conceito de “tempo” e suas diferentes dimensões: a duração, sucessão e a simultaneidade. A alternância de quadros com as indicações “mais tarde”, “logo depois” são bons exemplos da sucessão temporal. A indicação do termo “enquanto isso” pode facilitar o aluno a trabalhar a ideia de simultaneidade tão importante para a análise dos processos históricos. Um desenho do Sol, um funcionário batendo ponto em uma fábrica, ou o relógio na parede são elementos gráficos que podem ajudar a trabalhar com os diferentes tempos: o tempo da natureza; o tempo da fábrica, o tempo do relógio. 

Antes do professor utilizar HQs em sala, um exercício necessário é fazer algumas perguntas: quem são os autores? A qual público a HQ de destina? Quando e onde a história foi produzida? E qual a sua finalidade?

A maioria das histórias em quadrinho faz parte da chamada indústria do entretenimento e foram publicadas com fins comerciais. Porém, estes conteúdos podem possuir um caráter informativo, institucional, educativo, didático e até político. Um bom exemplo disso são as tirinhas de Mafalda, do cartunista argentino Quino (Joaquim Lavado), cuja aparente ingenuidade escamoteia uma forte crítica à ditadura argentina e à sociedade contemporânea.

As histórias em quadrinho somente podem existir no mundo da fantasia. No entanto, mesmo as histórias mais fantasiosas são capazes de retratar questões do seu tempo e pertinentes ao ensino de História.  Os “X-Men”, famosos super-heróis mutantes das HQs e adaptados com sucesso para o cinema, são referências nesse sentido. Criados no início da década de 1960 por Stan Lee e Jack Kirby, a narrativa reflete determinados aspectos da sociedade norte-americana coetânea (a luta pelos direitos civis), mas também aborda problemas atuais, como a discriminação racial. O professor Charles Xavier, personagem central da obra, foi inspirado em Martin Luther King. Ou seja, ficção e realidade se entrecruzam em diversos momentos da narrativa. Em seus discursos Xavier e Luther King são favoráveis à igualdade de direitos e à convivência pacífica entre todos. Na ficção, o professor Xavier defende a harmonia entre mutantes e não mutantes; já e no caso de Luther King, sua luta sempre foi pela igualdade de direitos entre negros e brancos em favor da coexistência harmônica dos diferentes grupos. 

Igualmente, é possível perceber semelhanças entre o antagonista da série ficcional, o mutante Magneto e o discursos de Malcolm X, líder do movimento negro norte-americano: os dois defendem o uso da violência contra aqueles que descriminam seus respectivos grupos. Malcolm X defendia a revolta armada dos negros contra os brancos. Seguindo uma linha inspirada no mundo real e concreto, Magneto defende que a guerra dos mutantes contra os não mutantes é a única saída para se conquistar a liberdade.

Enfim, embora o artigo enfoque o ensino de história, os quadrinhos favorecem o gosto pela leitura e são importantes ferramentas para se trabalhar saberes essenciais abordados em diferentes disciplinas. Cabe ao professor utilizar este gênero conforme as necessidades de cada aula.

 

1 – Licenciado em História pela UFMG (2014), teve formação complementada na Universidade de Évora (UÉ), Portugal. Possui mestrado em História pela UFMG na área de História da Ciência e, atualmente, cursa o Doutorado em História pela mesma universidade, com o apoio financeiro da CAPES. É membro do Travessia – Grupo CNPq de Estudo e Pesquisa, dedicado a pensar e discutir os desafios relacionados ao ensino de História. 


Imagem de destaque: InspiredImages

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