Homeschooling e Bolsonaro: tudo a ver – Parte I

Maria Amália de A. Cunha*

Glauber Loures de Assis**

Caros e Caras leitores e leitoras,

Os efeitos deste isolamento provocado pela gravíssima crise sanitária e política que vivemos têm nos colocado enormes desafios cotidianos. E eles não são poucos. A divisão sexual do trabalho doméstico, o home office, a necessidade do aprendizado rápido de novas ferramentas e linguagens digitais e, claro, o cuidado e a educação das crianças e jovens são esfinges às quais precisamos decifrar dia após dia.

Nesse contexto pandêmico, temos refletido com muita preocupação acerca de uma série de questões educacionais que ainda não tinham atravessado nossa realidade cotidiana de forma tão crua e cruel.

E, como pessoas que têm vivenciado esses desafios no âmbito da educação a partir de um duplo papel -de pai e mãe e também de sociólogos-, queremos compartilhar com vocês algumas dessas reflexões que tem exigido de nós um olhar mais atento e sensível.

Para tanto, partimos aqui do reconhecimento da desigualdade como um fenômeno estrutural que permeia o ensino. Desigualdade que, nunca é demais sublinhar, tem caráter multidimensional e não se reduz a fatores puramente econômicos.

Pensando nesta distribuição tão desigual de recursos que assola o país, que não permeia somente a estrutura das escolas, mas atinge diretamente o seio das famílias e suas mais diferentes configurações e condições socioeconômicas,o fato é que, muitas vezes pela simples e dura falta de alternativas,a maioria das famílias acaba se deparando com o ensino domiciliar.

Em tal cenário, é importante refletirmos sobre o assim chamado homeschooling, e sobre as razões pelas quais esta modalidade de ensino foi reacesa, ainda antes da pandemia, sob o governo Bolsonaro.

Mas o que é exatamente este tal de homeschooling?

O homeschooling, ou ensino domiciliar, é uma prática adotada em mais de 63 países do mundo. A prática exige um investimento pessoal e técnico dos pais que, como uma espécie de preceptores, tomam para si a responsabilidade de escolarizar seus filhos, através do acompanhamento e uma orientação educacional personalista.

Não temos aqui a pretensão de remontara uma origem do homeschooling, analisando a data do seu surgimento, suas motivações, adesões a este tipo de educação, etc. Isto porque o leitor, em uma rápida pesquisa na internet, pode encontrar dados suficientes para compreender como este fenômeno ressurgiu com bastante força nos EUA na década de 1980, com forte componente religioso, quando houve uma mudança na regulação fiscal das escolas cristãs.

No Brasil, no tocante à educação, até o momento impera a Constituição Federal, no seu artigo 205, que reza: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ainda de acordo com a Constituição, cabe ao Estado prever e prover a educação obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos.

O entendimento do CNE

-Conselho Nacional de Educação- é também aquele que está presente na nossa última LDB (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL- Lei 9.394 de 1996), que estabelece que o ensino obrigatório deve ocorrer na escola.

Entretanto, nos últimos anos vimos este debate ser pautado em várias instâncias, de maneira relativamente silenciosa, como um dos principais argumentos de que a educação doméstica seria uma alternativa às escolas sucateadas e precarizadas, além de uma forma de ‘proteger’ as famílias contra a violência existente em muitas escolas públicas.

Após a eleição de Bolsonaro, este tema começou a ser pautado de forma mais permanente e pública, por meio da judicialização dos casos de algumas famílias que querem educar os seus filhos em casa, e pela própria defesa da modalidade pelo presidente da república, que a encampa como uma bandeira pessoal. O tema tramita tanto no Congresso Nacional quanto no STF (Supremo Tribunal Federal), e as famílias favoráveis à educação domiciliar aguardam a decisão do Supremo sobre a constitucionalidade de tal prática.

Por sua vez, também há entusiastas do homeschooling que se aproximam de um movimento que ficou conhecido como desescolarização, que criticava a compulsoriedade da educação escolar, e teve como um de seus expoentes mais conhecidos Ivan Illich, que dizia não ser possível uma educação universal através da escola.

Entretanto, no Brasil, é somente com Bolsonaro que o homeschooling emerge como uma política de governo no Brasil. Resta saber as razões disso, e que forças sociais e grupos de pressão se mobilizam em torno dessa agenda bolsonarista.

O atual governo federal elegeu, desde o início de seu mandato, o homeschooling como uma de suas prioridades.Um marco importante desse posicionamento se dá no dia 11/04/2019, quando o Presidente da República assina um PL que regula o ensino domiciliar de crianças e adolescentes. O PL foi assinado para “comemorar” os 100 dias de governo.

Meses depois, em setembro de 2019, o STF considerou a medida ilegal, por não haver uma regulamentação sobre a prática. Enquanto em sua propaganda o governo estimava a monta de 31 mil famílias adeptas da educação domiciliar, a ANED (Associação Nacional do Ensino Domiciliar) divulgava o número de 7, 5 mil famílias adotando esta modalidade de ensino em 2018.

Se levarmos em conta, segundo os dados da PNAD de 2017, que o rendimento médio domiciliar per capita dos brasileiros girava em torno de R$1.271,00, quem seriam essas famílias dispostas a realizar o ensino domiciliar e qual a razão deste projeto? E, se o número de adeptos corresponde a uma ínfima fração da população brasileira, por que o assunto recebe tantos holofotes?

Antes de respondermos a essas questões, vale lembrar que homeschooling não é sinônimo de ajudar os filhos no “para casa” de matemática, assistir vídeo-aulas no YouTube, contar histórias antes de dormir ou tirar a criança do tédio cantando canções da Galinha Pintadinha.

Uma coisa é atenção familiar, comprometimento afetivo e acompanhamento do percurso educacional das crianças. Outra coisa é homeschooling.

* Socióloga, Professora do DECAE na Faculdade de Educação da UFMG;

** Sociólogo, bolsista CAPES de pós-doutorado (PNPD) noPPGS – FAFICH.


Imagem de destaque: Jessica Lewis / Unsplash

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