Geografias silenciadas no processo de escolarização primária no Piauí

Maria do Socorro Pereira de Sousa Andrade1

Sob o céu de imortal claridade, nosso sangue vertemos por ti, vendo a pátria pedir liberdade, o primeiro que luta é o Piauí.  

Assim como Ana Maria Martins introduz o seu texto: Tornar-se professor(a) no Piauí: diferentes percursos e representações, com versos que compõem o hino do Piauí, decidi seguir a mesma ideia na escrita deste texto que trata também sobre um aspecto importante da história educacional do nosso estado. 

Trago para a discussão a história da Geografia presente no currículo das Escolas Primárias no Piauí, desde 1927, por meio do Programa de Ensino Primário adotado pelo governo no período. Aspecto problemático, pois ao envolver um ensino memorístico, sem utilidade prática, possivelmente, encontre eco no silenciamento deste saber no atual Ensino Fundamental das escolas públicas de Teresina, capital do estado. Trata-se, portanto, de uma face presente na luta histórica pelo desenvolvimento de um projeto de modernização da escola primária piauiense.

Sob o céu de imortal claridade habito esta terra que traz em si uma história de lutas travadas desde a entrada do colonizador, passando pela sangrenta Batalha do Jenipapo, movimento por meio do qual vendo a pátria pedir liberdade, o primeiro que luta é o Piauí, envolvendo, entre outras, a luta pela qualificação da instrução primária do Piauí.

A escola primária é considerada a base sobre a qual se erguem os demais graus de ensino que constituem a estrutura da educação escolarizada, apesar de que não seja essa a lógica do ponto de vista histórico. No Brasil, este nível de escolarização somente foi objeto de atenção das políticas educacionais muito tardiamente, visto que o ensino elementar era função da família, basicamente, até a República. Imaginem que no Piauí, ainda no início da República, “a instrução pública acha-se em completa decadência”². 

Em 1910, a situação dos prédios escolares era precária; em 1920, tem início a construção do primeiro prédio escolar do Estado, o edifício da Escola Normal Oficial, e dos primeiros grupos escolares na capital e no interior; em 1930, verifica-se que houve incremento da escolarização de nível primário no Estado, porém, o critério para tal incremento diz respeito apenas ao número de matrículas e não à qualidade do ensino. 

Inserido neste contexto está a Geografia e o seu ensino, objeto de investigação pelo qual me interessei a partir da minha prática enquanto docente desta matéria escolar. Em minhas pesquisas identifiquei dados preocupantes ao constatar que a Geografia tem sido pouco ensinada em decorrência da secundarização desta matéria nas escolas públicas do Ensino Fundamental em Teresina. Até o final de 2015, constatei que o ensino dos conteúdos de Geografia, nessas escolas, era bastante restrito porque a maior parte da carga horária era ocupada pelas aulas das disciplinas Língua Portuguesa e Matemática orientando a formação das crianças para as avaliações oficiais, como o IDEB.

Diante dos problemas constatados acerca das práticas de desvalorização da Geografia e ao frágil domínio conceitual e teórico-metodológico das professoras, entendi que seria de suma importância conhecer melhor as especificidades da prática educativa em Geografia nas Escolas Primárias do Piauí no século XX.

Assim, ao analisar como a Geografia era ensinada nos grupos escolares do Piauí no período de 1927 a 1961, percebi que, nesse período, apesar das prescrições legais baseada nos pressupostos da Pedagogia Moderna, não se observa, na prática, um ensino de Geografia voltado para a construção dos saberes geográficos. 

Até 1961, ensinar Geografia nas escolas primárias do Piauí pode ser caracterizado da mesma forma como afirmado por Delgado de Carvalho em 1925: “Nas escolas do Brasil e de outros países de nosso continente, a geografia é o estudo de uma modalidade da imaginação humana, da sua faculdade de atribuir nomes, de crismar áreas geográficas… Aqui, quem não sabe nomenclatura não sabe geografia”. 

Ora, isso reduz a importância da Geografia, desconsidera o seu potencial de explicação de processos socioespaciais que se manifestam em diferentes escalas, criadores de arranjos espaciais diversos, melhor compreendidos por meio de seus conceitos básicos, como por exemplo, lugar, território, região e paisagem. Desconsidera, ainda, entender a Geografia através de um olhar que valoriza a subjetividade na relação do homem com o espaço, a presença do ser no mundo, ou ainda as diferenciações espaciais da produção cultural humana.

Uma Geografia memorística não possui utilidade prática, não desperta interesse para aqueles que tentam ensiná-la ou aprendê-la, posto que não fará sentido como contributo para resolver os problemas da vida. Apesar de sua persistente presença urge a renová-la tornando possível aos educandos despertar a riqueza de sentidos do seu espaço vivido, quando, por exemplo, expande sua compreensão ao apreciar os versos hínicos de sua terra: As águas do Parnaíba, rio abaixo, rio arriba, espalhem pelo sertão e levem pelas quebradas, pelas várzeas e chapadas, teu canto de exaltação, na constante aventurança do aprender o conhecimento geográfico escolar. 

Assim, quem sabe, atualizando os saberes descubram eles todo o potencial do nosso Estado, no trabalho fecundo e com fé de sua gente, fazer sempre melhor para que no concerto do mundo o Brasil seja ainda maior! Da mesma forma, numa terra, por vezes esquecida, possam dimensionar o caráter do seu povo e progredir envolvendo na mesma grandeza o passado, o presente e o porvir!

 

1 – Doutora em Educação. Atua como professora substituta no Departamento de Fundamentos da Educação – DEFE, do Centro de Ciências da Educação – CCE da Universidade Federal do Piauí – UFPI.

2 – Governador do Piauí Arlindo Nogueira em mensagem governamental (1903, p.32).

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