Freud: leitor do mundo moderno

Joachin Azevedo Neto

Sigmund Freud, judeu de origem austríaca, viveu entre 1856 e 1939. Considerado o fundador da psicanálise, buscou difundir um método de tratamento clínico para pacientes com diversos tipos de enfermidades psicológicas baseado na observação de hábitos involuntários, memórias pessoais da infância e experiências ligadas aos domínios do inconsciente cerebral.  Preocupado em compreender as contradições da civilização europeia, em meio a consolidação da cultura de massa, o autor pode suscitar reflexões pertinentes sobre a fragilizada condição humana em nossa época.

Grande representante do otimismo em torno da razão científica, em expansão no século XIX, Freud defendeu que até mesmo os fenômenos da psique, mesmo os mais subjetivos e individuais, como os sonhos, possuem um núcleo racional que pode ser codificado. Na obra A interpretação dos sonhos, publicada pela primeira vez em 1900, o médico defende uma retomada da interpretação simbólica dos sonhos, que acompanha a humanidade desde as primeiras sociedades – como bem ilustra a passagem bíblica do sonho do Faraó sobre as sete pragas do Egito – sob a luz da semiótica médica contemporânea baseada na interpretação de sintomas.

O método freudiano de interpretação dos sonhos não busca dar conta de toda a narrativa composta pelo sonho, mas do significado isolado de alguns símbolos que são lembrados e relatados pelos pacientes. Para Freud, os sonhos possuem significados múltiplos porque são conglomerados de experiências mentais que remetem a desejos muito contidos: desejo de que um ente querido não tivesse morrido; desejo de ver uma paciente curada; de responder à altura de um comentário maldoso…

Em O mal-estar na cultura – ou civilização, conforme algumas traduções – obra publicada em 1930, o autor aponta algumas problemáticas relativas a uma investigação ensaística sobre a ideia de felicidade na sociedade industrial. A questão é que, para Freud, as experiências místicas, que encontraram terreno fértil mesmo na sociedade moderna, marcada por diversos avanços científicos, não são suficientes para preencher nossos vazios. A sociedade contemporânea precisa se anestesiar diante das dificuldades impostas aos indivíduos. A própria atividade científica também é considerada pelo autor como uma distração desse tipo. Mesmo que não se rompa com a realidade, como nas artes e ilusões, ela é regida por grande emprego da imaginação e criatividade.

O problema da finalidade da vida humana marca toda a consolidação do capitalismo burguês. Para o autor, é mais interessante se questionar sobre o que os seres humanos consideram enquanto finalidade da vida. A maioria dos seus pacientes lhe responderam que o objetivo da vida era a felicidade. O psicanalista salienta que muitos indivíduos, em busca desse ideal, procuraram o isolamento social. A felicidade se transforma, portanto, também em quietude no mundo moderno.

Freud adentra também na psicologia dos dependentes químicos. Por que um século que se diz portador do progresso e dos avanços civilizatórios foi assolado por uma grande leva de indivíduos viciados em álcool e outras drogas? A crença de que estamos destinados só a sentir prazer e a evitar o sofrimento é que leva a essa pulsão destrutiva. O indivíduo que quer anestesiar o sofrimento acaba engendrando processos autodestrutivos.

 O mundo moderno gerou também indivíduos que consideram toda a realidade fonte de sofrimento e por isso favoreceu o surgimento de vários tipos de eremitas. Somos ensinados, desde cedo, principalmente pela religião, que o caminho mais certo para a felicidade é o do amor. Porém, a equação não é exata. Quando amamos, estamos mais vulneráveis ainda para o sofrimento, pois o amor é experiência humana que foi construída a partir da pulsão sexual.  Aos que buscam felicidade no gozo da beleza, das formas, dos gestos, paisagens, artes ou mesmo na ciência, nada garante que essas pessoas estejam blindadas contra o sofrer.

A busca por felicidade é libidinal. Para Freud, cada indivíduo moderno possui suas próprias aspirações por felicidades e não há uma fórmula pronta para todos. A proposta é se auto conhecer para saber onde encontrar as fontes pessoais de renovação e prazer. O indivíduo de perfil erótico busca a felicidade em relações afetivas com outras pessoas; o autossuficiente buscará felicidade em processos interiores. Freud recomenda prudência. Nem investir demais no outro ou em si mesmo como fonte de felicidade.

A cultura moderna, portanto, é repressão e recalcamento de impulsos poderosos. O problema é que a civilização ocidental, mesmo tentando sublimar nossa ancestralidade selvagem, não estabeleceu sociedades apenas de pessoas que se relacionam por meio do trabalho ou de interesses racionais. A cultura também liga libidinalmente os membros de uma comunidade entre si. Para o psicanalista, é importante combater a miséria psicológica da massa e elencou os EUA, ainda no começo do século XX, como um grande exportador dessa tendência cultural insalubre que associa felicidade ao consumo. 


Imagem de destaque: Freud, 1930. Domínio Público. 

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