Entrecruzando a infância, o lúdico e práticas educativas femininas no Piauí, no início do século XX

Vilma da Silva Mesquita Oliveira

A criança é o symbolo da Pátria! É a flôr que enfeita os lares e perfuma os corações maternos! É a flôr do explendor dos dias de primavera! É o reino encantado de todos os nossos sentimentos! É a graça e a belleza! É a inocência e a ternura! É o tesouro da Pátria e a esperança maior dos nossos dias!… (MONTEIRO, 1936).

 

Como demonstra o trecho retirado do jornal Diário Oficial de 1936, a criança no século XX, passa a ser considerada o futuro da nação brasileira e inúmeras manchetes de jornais no Piauí destacam a importância dos cuidados com a infância.

A ênfase dada à criança neste período se sobressaía com relação à preocupação a sua saúde, higiene e alimentação, devido às altas taxas de mortalidade infantil, pela estreita relação com o projeto modernizador da sociedade brasileira. Algumas medidas foram adotadas para demonstrar que uma nação forte se inicia com o cuidado com seu futuro, com crianças fortes, saudáveis e alfabetizadas. 

Com base nessas concepções, o Piauí estabelece, no início do século XX especial atenção à condição da infância, especialmente no combate à mortalidade infantil – fator de grande preocupação da época, presente nas manchetes de jornais impressos, para demonstrar que o Estado caminhava a passos largos rumo ao desenvolvimento.

Nesse cenário, as mulheres tiveram um papel fundamental através da função social maternal, pois a elas eram direcionadas as orientações sobre as práticas modernas de alimentação, higiene e atividades recreativas favoráveis ao desenvolvimento da saúde das crianças, afastando-se de hábitos considerados curandeiros, contribuindo com a responsabilidade de uma geração melhor e sadia, em sintonia com os desígnios modernos. 

A imprensa piauiense foi o veículo de disseminação de tais ideias, as publicidades articuladas às demandas da vida urbana contribuíam para divulgar o discurso médico vinculado a produtos comerciais, direcionadas as mães suas mensagens que geralmente versavam sobre o aleitamento materno relacionados a robustez infantil e aos medicamentos fortalecedores da saúde pueril.

Alguns desses merchandising eram considerados como leitura instrutiva, que na tentativa de convencer as mulheres sobre as qualidades do produto anunciado, traziam informações com um vocabulário pedagógico sobre os princípios médico-higienistas, como incentivo ao aleitamento materno, e o uso de medicamentos associados ao desenvolvimento corporal infantil, associados a imagens de crianças realizando atividades recreativas ou fazendo o uso de brinquedos.

Esses anúncios, faziam parte de um ideal nacional que pretendia convencer a população da responsabilidade patriótica do cuidado “a saúde da criança, evitando-lhe a morte, teremos patrioticamente cuidado da principal fonte de economia nacional. O homem sadio é a maior riqueza de uma nação” (VILHENA, 1939). 

As normalistas também foram consideradas público-alvo das disseminações dessas ideias, pois o objetivo do Curso Normal não era apenas formar professoras, mas futuras mães, responsáveis dos seus deveres maternos. Com o curso de Puericultura, as docentes recebiam formação com base em saberes científicos concernentes à saúde, à alimentação, cuidados higiênicos e desenvolvimento das crianças com orientações de atividades recreativas adequadas à idade e ao desenvolvimento infantil, através de um discurso médico pedagógico.

Para dar destaque à criança, o presidente Artur Bernardes em 1924, instituiu em decreto o Dia da Criança, a ser comemorado no dia 12 de outubro de cada ano, contribuindo para o crescimento do setor mercadológico de brinquedos. E os Concursos de Robustez Infantil, promovidos desde 1934, premiava as mães carentes que tivesses bebês robustos de até dois anos, com donativos. Além de avaliar os bebês para a premiação, os médicos nesses eventos proferiam palestras instruindo as mães sobre a saúde e o desenvolvimento dos filhos, em clara sintonia com os saberes da Puericultura. 

Apesar do êxito dessas ações serem incontestáveis, algumas matérias jornalísticas evidenciavam que em regiões periféricas, ainda havia muito de primitivismo no trato das crianças atribuindo à responsabilidade sobre essas condutas às mães. 

É preciso considerar que as condições financeiras das mães das periferias das cidades do Piauí não eram levadas em consideradas para prover melhorias na saúde, através da compra de medicamentos e alimentação para os filhos. E, por essa razão, muito ainda havia a ser feito em defesa da criança, para a garantia de um Brasil melhor no futuro. 

1Doutora em Educação, atua como professora do quadro permanente do Instituto Federal do Maranhão – IFMA, Campus Codó.

 

Para saber mais
MONTEIRO, Lindolpho. Dia da Raça – Dia da Criança. Nação forte é a que tem filhos fortes. Diário Oficial. Teresina. ano VI, n. 233, p. 6-7, 17 de out. de 1936.

VILHENA, Maria Gonçalves. A Semana da Criança. Diário Oficial. Teresina, ano IX, n. 243, p. 2, 23 de out. de 1939.

 

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