Enquanto a casa cai

 Ivane Laurete Perotti

Erigido no planalto central, o símbolo oscila. Sem cunha nem unha, segue em patifaria. Determinada. Determinante. Rica savana. Sacanas ricos. 

Entre as sombras dos poderes, o espírito do Rio São Bartolomeu dialoga com a alma do Rio Descoberto. Líquida reflexão kafkiana. O insólito e o obscuro erodiam as margens da sanidade, enquanto os santarrões, os embustes e os títeres voejam baixo. Baixo. O peso verga caudas. O bobo da corte é o bobo. E a corte. Amancebados em graxa quente, luzem datações. Desnecessário entreter o rei. Ria-se ele de si para consigo mesmo. Falastrão degringolado.

O devas do Pau-brasil entrou em cena. Tombado, ainda temia a sova das serras. Cerrado. Fauna e flora erguem seus estandartes oníricos. Atentas, observavam a aproximação espectral do afluente do São Francisco.  Rio Preto, instigado pelo eflúvio das correntes, interessou-se pelo tema da reflexão.

_ Onde isso começou, Bartolo?

_ Você melhor do que ninguém pode responder! Mas, vá lá! estamos aqui a considerar este clima de “pelamordedeuso” passa, 2022!

_ Humf! Era de se esperar! Lá pelos “Juiz de Fora das Minas Gerais”, Tiradentes foi enterrado.

_ E a faca!

_ Isso é uma afirmação, Descoberto?

Descoberto riu do trocadilho. Por suas águas corriam histórias. Dali ao Paraná. Mas era a cegueira que lhe fazia inchar. Estufar. Transbordar águas. Águas da indignação. Em que plano residiam as trapaças? Às margens dos golpes brotam ciscos. Borras. Resquícios. Odorantes nuvens. Nuvens pesadas. Grossas nuvens. Nauseabundas ebulições. Isso quando não se tornam pedras. Solidificadas. Paralelepípedos diagonais. Visíveis ao sol e nas noites tempestuosas. Não via quem não queria.

_ Ô, Descoberto! É óbvio que viam. Tanto que foi…

_ Foi nada! Ficou engrupido…

_ Engazopado!

Os três rios, em suas indeléveis manifestações, sentiram o mal-estar do devas

_ Seu Pau-brasil? Se manifeste, por gentilezas!

_ Ah! Companheiros! Faltam-me palavras. Salvo-me ou salvo-lhes.

_ É uma pergunta?

_ Não! regaço dos segredos. É retórica! –  a manifestação do Rio Maranhão, chegou tinindo lá das bocas do Tocantins. Mesmo que, na realidade ele fosse e de lá não voltasse, gostava de dizer que de tudo conhecia naquele estado.

_ Tá certo, irmão! Mas nem sempre a retórica apara o verso! Aqui estou eu, nasci Huna-y e respondo por Preto!

_ Essa é uma questão socio-histórica, convenhamos!

_ Camaradas, o Pau-brasil estava com a palavra.

_ Pensava alto… quase sem palavras.

_ Você poderia distribuir corante para esse povo. Quem sabe?

_ E alguém, hoje em dia, ainda cora de vergonha, Rio Maranhão? Ah! Nem! Pode guardar o que tanto lhe extorquiram, Pau-brasil. Até o seu nome perdeu força.

_ Não seja tão drástico, Bartolomeu. Vamos com calma que este país aprende.

Um silêncio aguado tomou conta da reflexão. Kafka por pouco, muito pouco, não emergiu. Presente. Ausente. As ideias carregam genes. DNA. Não provável, mas plausível. Alteridade é uma teia permanentemente exposta às chuvas. Aos ventos. 

_ E às tempestades, para melhor dizer, se tal consigo! – tartamudeou o Pau-brasil em plena deidade.

_ Tem razão, caro colega de sina e sana. Bem gostaríamos de limpar a face da Terra.

_ Outro dilúvio? – era a pergunta liquidamente trêmula do Rio Preto!

_ Quem dera! De quem se fala não se diz tudo. Os títeres escondem o palco. Já se foi a arca. 

_ Concordo, Pau-brasil. Mas a sua desolação me afeta. Arrepia-se o útero de minhas águas. Levanta, homem! É… você me entendeu! Vamos!

Antes que o combalido devas amarrasse uma resposta, todos sentiram. Sopros consonantais emanavam do Pico do Roncador. A Serra do Sobradinho reclamava. E por mais que cada qual tentasse descobrir a razão do lamento, a consciência nacional cruzava os braços. Não se contava com ela. Andava aos farrapos. Bêbada. Intoxicada. Chapada pela propina diária.

_ É a casa caindo!

_ A casa caiu…

_ Caiu a casa!

Os tombados apresentaram-se: Pindaíba, Paineira, Ipê-roxo, Ipê-amarelo e Buriti. Longe de desejarem ornar a cena, estavam ali pela alma da reflexão. Ou o contrário. Tanto fazia. Pois do sopro primeiro, as consoantes alinhavam-se: [k], [z], [k], [z], [k], [z]: performáticas, uma a uma, pegando as vogais pelo caminho. Som arrastado. Quatro anos! Quatro tempos! Quantos ventos!

_ Ara, gentes! De onde caiu a casa? – a voz do Rio Maranhão arrastava sotaques.

_ De onde? – saltou o Pau-brasil. – Prefira pensar por que demorou tanto! Foram-se corpos e almas nessa invernada. Sem palavras!

_ Vocês estão falando do…do…

_ Nem começamos! É um processo! Ou mais…

_ Ah! 


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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