Educação Não Formal, Divulgação Científica e Extensão Universitária: articulação necessária na formação de professores

Martha Marandino
Adriana Pugliese

A escola é um dos mais importantes meios de acesso à cultura em geral, e à cultura científica em particular, especialmente no Brasil. Mas, se a escola é um espaço chave para ampliação da experiência cultural dos estudantes, será que esta demanda está prevista nos documentos curriculares da escola básica em nosso país? Estudos indicam que documentos curriculares do período de 1990 apontavam para a promoção de práticas de formação do cidadão associadas às atividades extracurriculares. No entanto, há indícios de menções muito tímidas a atividades culturais e artísticas nas Bases Nacionais Comuns Curriculares de todos os níveis de ensino.

Defendemos aqui que aspectos da educação não formal e da divulgação científica podem auxiliar de forma substanciosa o acesso à cultura científica. Para isso é necessário que os professores sejam formados no sentido de incluir trabalhos pedagógicos em museus e demais instituições não formais e em ambientes naturais. Torna-se assim fundamental que estes temas sejam inseridos nos cursos de formação inicial e continuada de professores, considerando a articulação entre pesquisa, ensino e extensão universitária.

Contudo, mesmo reconhecendo esta necessidade, sabe-se que este processo não é desprovido de tensões. Os conhecimentos a serem desenvolvidos junto aos professores em formação não são neutros e sua legitimação é fruto de uma disputa de forças entre diferentes instâncias sociais. As decisões sobre o que ensinar e como ensinar não são isentas de conflitos e de formas de controle e se dão não somente nas instâncias ministeriais e de secretarias de estado, como também nas universidades e cursos de formação de professores.

Há ainda debates e dissensos sobre o significado da extensão e de seu papel. Além de dúvidas sobre se este seria realmente o termo ideal para caracterizar as formas de relação entre universidade e sociedade. Se por um lado existe hoje um crescimento nacional e internacional na direção de abrir e integrar as universidades ao meio social e econômico, há diferenças sobre como isso vem sendo feito nos diferentes contextos, em especial na Europa e na América Latina. No primeiro caso, o termo usado é em geral “Terceira Missão” (Third Mission) das universidades (1). Segundo Pedro Nuno Teixeira, as razões para o interesse pela extensão nas universidades europeias estão ligadas às necessidades econômicas e sociais, o que vem promovendo a inserção de atores externos à universidade nesses órgãos. Além disso, Pedro N. Teixeira indica que esta tem sido uma forma de obtenção de recursos em tempos de crise de financiamentos tradicionais. Por fim, aponta que por meio da extensão, a universidade pode cumprir o papel de formação ao longo da vida e de transferência de conhecimento. No caso da América Latina, para este autor, o foco são as ações sociais diretas e intervenções promotoras de cidadania e fomentadoras do protagonismo local.

As expressões acima destacadas, revelam alguns dos interesses políticos e sociais, privados e públicos, que envolvem, hoje, a extensão universitária. Além disso, algumas das perspectivas propostas para a extensão se confrontam diretamente com a posição de Paulo Freire, em seu livro “Extensão ou Comunicação?” (2). Freire (1985) realiza uma análise crítica do termo extensão, afirmando que este está ligado a ideias de transmissão centrada em um sujeito ativo que “estende” o conteúdo por ele escolhido e o entrega ao recipiente. Esse modelo se pauta numa teoria anti-dialógica, que promove, a seu ver, a invasão cultural, pois o conteúdo transmitido reflete a visão do mundo daqueles que o selecionam, sendo que os demais apenas o recebem passivamente.

A problematização sobre extensão trazida por Paulo Freire nos provoca a pensar que é necessário explicitar que extensão queremos hoje defender nas universidades públicas brasileiras. Concordando com Pessanha (2005), a nosso ver, esta deve se pautar no estabelecimento de um diálogo entre universidade e sociedade para a geração, o estudo, a reconstrução, a contextualização e a socialização do conhecimento compartilhado.

As universidades públicas possuem um importante, variado e complexo patrimônio científico, cultural e social, em suas dimensões material e imaterial. Por meio da extensão trabalhada de forma articulada com a pesquisa e o ensino, esse patrimônio pode se tornar ainda mais acessível a um número amplo de indivíduos, contribuindo na construção de novas tradições neste espaço. Para isso, defendemos que a educação não formal e a divulgação científica são aliadas privilegiadas neste diálogo.

Esse aspecto ganha ainda mais relevância se considerarmos a responsabilidade da universidade na formação inicial e continuada de professores. É fundamental que estas instituições fomentem projetos e parcerias internas e externas, com os diferentes espaços de educação formal, não formal, informal e de divulgação científica, como estratégia de articulação entre pesquisa, ensino e extensão. Esta demanda se torna ainda mais relevante considerando a recente proposta de curricularização da extensão (3) e a exigência de que 10% da carga horária dos cursos de graduação deve estar voltada para disciplinas, projetos, programas e ações de extensão.

Tais ações devem se dar na direção do efetivo diálogo, na perspectiva freireana, entre as várias instituições e atores envolvidos. Deve-se ter a clareza de que a extensão universitária não pode se configurar como uma prática assistencialista, mas sim como uma via de mão-dupla, numa perspectiva de comunhão, compartilhamento e comunicação de saberes, sejam eles acadêmicos ou populares. É urgente que a universidade dê voz e espaço para que outras e novas tradições – de conhecimento, de práticas, de currículos – possam se constituir e se legitimar, garantindo a diversidade e, ao mesmo tempo, o seu caráter público e gratuito.

Para saber mais
(1) TEIXEIRA, P. N. Extensão Universitária na Europa: a terceira missão. Entrevista concedida a Manoel Maximiano Junior. Revista Brasileira de Extensão Universitária, v.6, n.1, p.59-62, 2015.  Acesse aqui.

(2) FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985. 127 p.

(3) Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018: Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 e dá outras providências.


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