Educação: A difícil tarefa de cuidar

Clarissa Moraes de Araujo¹

Os escritos sobre o cuidado da filósofa norte-americana Nel Noddings causam angústia e fascinação naqueles que se aventuram a ler. Em sua obra mais renomada, O Cuidado (2003), a autora pensa uma educação pautada no ato de cuidar genuinamente, denunciando a superficialidade das relações educacionais. Enquanto parte dos docentes acredita que o cuidado com os seus alunos se encerra ao toque do sinal ou ao passar pela porta da escola, já que o contrário significaria levar o trabalho para casa, Noddings caminha por outro viés ao reconsiderar a própria ideia de cuidado. 

O termo, discutido no espaço acadêmico principalmente pelas Ciências da Saúde, também está presente nos debates sobre a educação infantil e a educação emocional. Contudo, a ideia de cuidado formulada por Noddings suporta uma maior complexidade por envolver demandas filosóficas. Influenciada por pensadores como Martin Buber e Carol Gilligan, a autora propõe um sistema ético a partir das suas reflexões sobre o ato de cuidar. Para Noddings, o cuidado exige um alto nível de comprometimento por aqueles que se dispõem a vivenciá-lo.  

Segundo a autora, o cuidado genuíno é desinteressado e emerge da nossa tendência ontológica de viver em relação. Assim, cuidar genuinamente representa um sentir-se com o outro. Mas esse sentir-se com não é simplesmente uma projeção, de modo que bastasse refletir sobre algumas situações alheias para poder cuidar. Ou seja, pensar em “como eu me sentiria se estivesse passando por isso” é um tipo de análise que não corresponde à ética do cuidado de Noddings. O que a filósofa defende é que o cuidado ético indica um estado mental receptivo em que a cuidadora vivencia a realidade alheia, absorvendo o outro para poder cuidar. 

Nesta ética do cuidado evita-se o comportamento moral baseado em regras genéricas e em princípios éticos, já que estes são critérios abstratos.  O sujeito que recebe o cuidado, por exemplo, o aluno, é concreto demais! Ou melhor, ele é plenamente humano. Assim, devemos cultivar uma postura receptiva, que acolha e compreenda a realidade alheia. Ações sistemáticas como a de análise e julgamento de uma situação devem ser ignoradas, visto que o objetivo do cuidado não é se distanciar do sujeito e avaliar sua realidade, mas de se tornar dualidade, isto é, a cuidadora absorvida em seu sujeito do cuidado.   

A profundidade da discussão fica mais aguda quando a filósofa defende que esse é o tipo de relação que deve existir nas escolas. Por conseguinte, ela afirma que o fundamento da educação é a preservação e a melhora do cuidado. Assim, a professora é, antes de tudo, uma cuidadora. Mas como vivenciar esse tipo de cuidado em um tempo quase distópico como este que presenciamos? Cuidar genuinamente de nossos alunos já é uma tarefa difícil no modo presencial, mais ainda o é em uma época em que os abismos sociais estão escancarados e que ligar a câmera é um ato de coragem.  

Como se deve imaginar, esses questionamentos não são fáceis de resolver e talvez não seja possível encontrar uma resposta satisfatória. Todavia, como docentes, devemos mirar sempre no cuidado. Ainda que os encontros com os nossos alunos sejam breves e distantes, é importante que sejam verdadeiros e completos, já que os estudantes continuam sendo plenamente humanos, assim como nós, e, portanto, seres que necessitam do cuidado.  

 

1 – Mestra em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente é graduanda no curso de Pedagogia (UFPE) e é residente da ReDEC (Residência Docente nas Ciências) no município de Paudalho/PE. Email: clarissamoraes1991@hotmail.com

 

Para saber mais:

NODDINGS, Nel. O cuidado: Uma abordagem feminina à ética e à educação moral. Rio Grande do Sul: Unisinos, 2003.


Imagem de destaque: Matheus Ferrero/Unsplash 

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