Duna: Educação e crítica literária

Antônio Augusto Barboza de Souza
Sousa Simão

Duna, obra do americano Frank Patrick Herbert, nas palavras de Arthur C. Clark, autor de “2001: uma odisseia no espaço”: “Não conheço nada que se compare a este livro, a não ser ‘O Senhor dos Anéis’.

A primeira edição foi publicada em 1965 pela editora Chiltons Books, nos Estados Unidos. O autor atuava como jornalista e de uma de suas reportagens se inspirou nas dunas arenosas de Oregon para sua obra.

Nessa resenha crítica o enfoque será sobre os temas ecológicos. Duna aborda o tema de maneira sútil e assertiva, prendendo a atenção do leitor e o ensinando sem que esse perceba, e, aos poucos, esse leitor toma gosto pela temática.

O livro conta a Jornada do Herói de Paul Atreides, um messias para tempos difíceis. O enredo messiânico acompanha a formação desse jovem depois da partida de seu planeta natal em direção ao novo feudo Arrakis, o planeta Duna.

A superfície de Arrakis é tomada por extensos desertos e formações rochosas, um lugar à primeira vista inóspito e incapaz de suportar vida humana em larga escala. E entra aqui a contemporaneidade das discussões ecológicas.

Duna é o único lugar no universo em que se extrai a especiaria, substância responsável por tornar a economia interplanetária possível. Nesse ambiente a água é um recurso escasso, vista como símbolo religioso da população nômade do deserto, os fremen.

A religião dos fremen foi instruída por milênios para receber um messias que concluiria o plano de transformar os desertos em terras onde a água cairia do céu e correria em rios. Toda a percepção das personagens que vão até Duna é drasticamente mudada pelo planeta, um organismo orgânico e não-orgânico vivo.

“‘Deus criou Arrakis para treinar os fiéis.’ – excerto de ‘A sabedoria de Muad’Dib’, da princesa Irulan.”

São interessantíssimas as discussões sobre as relações população-ambiente, religião-população e religião-ambiente. As areias das dunas são sagradas por concepção e passíveis de serem alteradas apenas para o plano de transformação do planeta. O povo preza por seus costumes uns para com os outros e quanto ao meio ambiente. A história narra como religiões e costumes são mudados ao longo de anos, a cultura fremen se modifica com a passagem das outras personagens pelo planeta.

O constante medo causado pelo perigo de um Jihad, cruzada religiosa fanática, guia as escolhas do herói.

As areias são dominadas por gigantescos vermes da areia, esses vermes fazem parte do ciclo natural da produção da especiaria e, portanto, não podem ser extintos. Criaturas com valor sagrado para as tribos e valor econômico para o universo como um todo, fruto natural do ambiente extremo do planeta.

Pode-se dizer que a influência dos ventos secos de Duna não cai apenas sobre os fremen. A falta de água de Arrakis é o combustível que move o universo. A obra retrata bem os valores imaginários que ponderam o real valor de algo, nesse caso, um planeta. O valor de Arrakis não se dá pela riquíssima cultura e religião construída por milênios, ou pela força militar que os fremen ocultam até o final da trama, mas pela sua importância econômica.

A importância econômica está atrelada a importância ecológica do planeta. A preservação de um ambiente como o de Duna não é incentivada em momento algum da obra, os desertos são constantemente retratados como algo desprezível. Apesar do nome, Arrakis é reduzido a suas dunas e ao berço da especiaria. A problemática ambiental levantada aqui é a relação entre aparência, função e valor. A aparência do planeta e sua cultura é descartada, seu valor é resumida a especiaria.

Todo ecossistema é frágil a influências externas, algo que parece óbvio, mas que não é preocupação até se tornar um problema.

Essa é a crítica principal que notei na obra e que estava tão à frente de seu tempo. A briga de poderes e a influência política acabam sendo limitadas pela ecologia e o meio-ambiente de uma região, a chave que destranca o fim do universo de Duna é o planeta como um todo. É possível ainda traçar um paralelo aos acontecimentos nos últimos meses neste ano (2021). A falta de chuva causa racionamentos e falta de água para grandes centros urbanos. Causa também apagões, pois a matriz energética principal é hídrica, por consequência as contas de luz aumentam ainda mais em tempos onde o uso de aparelhos eletroeletrônicos é alto pelo distanciamento social e o confinamento em casa.

Não é de hoje que as políticas e pautas ambientais são deixadas de lado em diversos países do mundo, onde dão lugar a discursos mais atrativos ao público e aos reais detentores de capital.

Duna não apresenta uma salvação milagrosa ou uma resolução fantasiosa para o problema, apenas o expõe de maneira maestral.

Sobre o autor
Cursou o técnico em meio-ambiente no CEFET e atualmente cursa biblioteconomia na UFMG.

Para saber mais
HERBERT, Frank. Duna. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2017.


Imagem de destaque: Editora Intrínseca

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