Da tolerância à solidariedade

Eugênio Magno

Homem algum é uma ilha. Ninguém é só. Todos são responsáveis por todos: por nós mesmos, pelos outros, uns pelos outros e, ao alargar a proposta e pensar em termos do cosmos, entendemos que somos responsáveis pelo planeta, por tudo.

Viver junto, conviver ou, viver com o outro, com as coisas, com as ideias, com a natureza – de forma tolerante –, é um ideal que a humanidade persegue há milênios. 

A tolerância e a cultura da paz têm sido temas de vários de nossos artigos nesse ano. O último deles foi dedicado a reflexões e apontamentos em torno do primeiro capítulo da obra, “TOLERÂNCIA: Por uma ética de solidariedade e de paz”, de Bernhard Häring e Valentino Salvoldi (Paulinas, 1995). O livro de poucas páginas é dividido em oito capítulos. Começa explorando as várias faces da intolerância e termina apontando para o diálogo por uma cultura de paz, título do último capítulo. Os autores entendem que uma pessoa pode ser considerada sã na medida em que mantém relações construtivas consigo mesma, com o outro, com o tu, e com o nós. A expressão por excelência da capacidade de relação é o diálogo que, se for devidamente usado, cria relações sãs e capazes de curar. O diálogo se inicia com a escuta, reforça-se com a simpatia e se concretiza em respostas verbais, colocando de lado os preconceitos, evitando a todo custo a violência, seja qual for e, fundamentalmente, em não enxergar o opositor como inimigo, mas um tu que pede e comunica valores. 

Companheiras constantes nesse caminho em direção à tolerância são as nossas inteligências intelectual, emocional e físico-motora, além do conhecimento e da prática da democracia de quem a tolerância é irmã siamesa. E, para ressaltar o quanto tolerância e democracia são inseparáveis, os autores advertem que a “democracia necessita do respeito recíproco entre os seres humanos e do acordo a respeito dos valores fundamentais. A tolerância não implica neutralidade de pensamento; pelo contrário, cada grupo deverá amadurecer as suas visões e as suas experiências na co-reflexão de todos, no respeito comum às regras adotadas. Não podemos, nem devemos ser imparciais diante de coisas imorais, abjetas. Ser bem comportados, bonzinhos, em situações tais pode significar abrir caminho para a destruição da própria democracia. Uma democracia sã não deve evitar tomar decisões a respeito daquilo que ela não poderia jamais permitir, se quiser sobreviver”. E, mais: tolerância tem limites. Democracia não é imparcialidade, nem pode ser a ditadura da maioria. O conflito advindo do pluralismo pode e deve ser admitido como um exercício saudável para se atingir a tolerância.

Só a práxis cotidiana da tolerância pode nos levar à solidariedade, a relações justas e a uma sociedade harmônica. Tudo se inicia com uma análise em torno do eu, da esfera pessoal, uma vez que podemos ser intolerantes até com nós mesmos se não nos aceitamos completamente; quando não nos aceitamos, não sabemos perdoar a nós mesmos e não sabemos nos reconciliar com nossas próprias sombras. É imprescindível compreendermos a necessidade de uma integração desse nosso ser tão fragmentado, para que não fiquemos apenas na intenção. Empreender essa viagem, na compreensão de Häring e Salvoldi, é muito mais do que um trabalhoso processo histórico, mas, fundamentalmente, um desafio constante em que os seres humanos estão totalmente envolvidos nas diferentes esferas do ser e do viver. Desvelar as raízes da intolerância e aprofundar o conhecimento das dinâmicas integrais do ser em seus aspectos biológicos, psíquicos e sociais, é condição necessária para a mudança de opinião, atitudes e comportamentos para se chegar a um agir mais tolerante ou, no mínimo, menos intolerante. Os aspectos afetivo, cognitivo e social da personalidade humana condicionam a vida relacional. Reiteradamente, o medo do desconhecido, do novo, do diferente, do outro, como ameaças, provocam em nós a intolerância, justificada como forma de defesa. 

Contam os autores que, fugindo de trem da Alemanha Nazista, Albert Einstein foi abordado por um policial que lhe perguntou a qual raça ele pertencia. Einstein que tinha um enorme senso de pertença, respondeu ao militar nazista que pertencia à raça humana. O ser humano é um valor em si mesmo e, por isso, necessita cultivar valores morais e princípios éticos. Aliás, nunca é demais lembrar que o cultivo da ética, dos valores e dos princípios morais contribui para promover o valor próprio do ser humano. A cultura da tolerância nasce com a fidelidade à sua própria pessoa, como à pessoa do outro. Para se exercer a fidelidade à pessoa é necessária a capacidade de perdoar que também significa aceitar, acolher, mesmo na diversidade de opinião e pensamento, recorrer ao diálogo com a consciência de que ninguém possui o monopólio da verdade.

À medida que avançamos e aprofundamos na obra nos deparamos com inúmeras pistas para a construção de um comportamento tolerante tendo em vista a pertença universal. “TOLERÂNCIA: Por uma ética de solidariedade e de paz”, também pretende que ao nos atentarmos para pessoas e valores possamos vislumbrar uma filosofia da tolerância. Mas esse é assunto para o próximo artigo.


Imagem de destaque:  Wonder woman0731

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