Cartilha do ódio – laboratório de tristes aprendizagens

Ivane Laurete Perotti

 

No primeiro ano do 1º ciclo, em uma destacada escola pública de Belo Horizonte, uma sala de aula foi tomada pelo estupor. No início da tarde, enquanto a professora alfabetizadora informava sobre os objetivos das atividades, um aluno franzino, tímido e normalmente participativo levantou da cadeira de um só golpe. Suas pernas separaram-se em modo de prontidão e, nas mãos, apontada para os colegas, uma réplica genuína de uma arma convencional. Não fosse réplica, o objeto pesaria mais do que o próprio garoto. Olhos esbugalhados e rosto franzido pelo esforço em se fazer acreditar, diz:

_ Vou matar todos. Vou atirar em todo o mundo.

No primeiro momento, ninguém pensou não ser uma arma real, pois quem já viu a perfeição das “cópias” pode atestar a fidedignidade ao original. Enquanto as crianças gritavam o pavor tomava forma: carteiras e materiais didáticos voavam pelo espaço como que movidos por força invisível. A professora, mais pálida do que o quadro branco, chamou o menino pelo nome. E o movimento dele foi mais rápido do que a tentativa dela:

_ Não se mexe, profi. Não sai daí… eu atiro.

O terror espalhou-se pela escola. Dos gritos das crianças em sala eclodiram outros gritos, correria, tentativas de sair da escola, desespero sem descrição. A professora pedia calma. Os demais professores tentavam reunir os alunos em espaços fechados. O menino armado continuava em posição de tiro do alto de seus sete anos incompletos. Ao redor da sala, reuniam-se direção e demais adultos, uma vez que a polícia já havia sido acionada e não demorava chegar.

Enquanto a professora tentava acalmar a criança, um de seus alunos, possivelmente diante do quadro de pavor, sofreu uma convulsão. O menor que empunhava a réplica perfeita da arma não permitiu que a professora se aproximasse do colega.

_ Fica aí. Ele fingindo. Sempre finge.

Com a orientação da professora que se mantinha rente ao quadro, uma das coleguinhas que estava mais próxima do garoto em convulsão procedeu, chorando, aos primeiros socorros. Não havia aluno por toda a escola que não expressasse o medo, em gritos e tentativas de fuga. O pequeno alfabetizando que há pouco escrevera as primeiras palavras carregava nos olhos uma determinação incalculável.

Com a chegada da polícia, deu-se início a outro embate. A criança queria “negociar”. E assim se fez: um sargento, também pai de dois meninos com idade próxima ao portador da arma em réplica, aproximou-se o máximo, fazendo as perguntas de praxe e conferindo as características da arma.

_ Qual o seu nome, meu filho?

_ Não sou o seu filho…

_ Então, você pode me explicar o que você quer?

_ Eu quero matar fulano e … quero matar todos!

_ Você acha que isso está certo? – perguntou o policial já mais próximo do menino.

_ Acho! Acho sim. Quem é mau tem de morrer.

_ E o que eles fizeram contra você?

_ Não me deixam jogar futebol… nunca. Nunca! Agora…

E a cena seria ainda mais trágica não fosse carregar o amargor de um ensaio. O policial abraçou o pequeno e tomou-lhe a arma das mãos.

_ Meu filho, nem de brincadeira você deve fazer isso outra vez.

_ Não é brincadeira! Meu pai me disse que eu preciso treinar. Eu vou ser famoso. Vou matar todos os que são maus.

Nem fábula, nem anedota. A escola é uma réplica da sociedade. Não há moral neste episódio que, por questões outras, não se tornou mortal. O ódio segue uma cartilha cega e não prescinde o alfabeto. A aprendizagem é uma máxima que só se diferencia pela intenção e pelo método.

A violência destrói o que ela pretende defender: a dignidade da vida, a liberdade do ser humano. Paulo Freire


Imagem de destaque: Michal Jarmoluk / Pixabay

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