As origens da poesia popular nordestina

Alexandre Azevedo

Muito cultuado pelos poetas nordestinos, a poesia de cordel tem a sua origem nas cantigas trovadorescas da idade média. Considerado o início da literatura portuguesa, o Trovadorismo tem como marco inicial a Cantiga da Ribeirinha ou da Guarvaia, de autoria de Paio Soares de Taveirós, provavelmente o primeiro poeta português, surgido entre 1189 ou 1198.

Mas o que vem a ser uma cantiga? Cantiga é uma composição poética musicada, instrumentada e cantada por poetas que eram classificados de acordo com a sua situação socioeconômica. Portanto, o trovador era o poeta fidalgo (nobre); o jogral era o popular, também conhecido como saltimbanco. Também havia o segrel, isto é, o poeta profissional, que só se apresentava mediante pagamento. O segrel era geralmente um nobre decadente. Se hoje o repente é acompanhado principalmente pela viola caipira, naquela época as cantigas eram acompanhadas por instrumentos como alaúde, guitarra, saltério, arrabil e doiçana. As cantigas se dividiam em dois tipos: líricas e satíricas. As líricas, subdividiam-se em cantigas de amor e de amigo. Já as satíricas em cantigas de escárnio e de maldizer. 

E como essas cantigas eram caracterizadas? A cantiga de amor é uma composição poética em que o eu lírico era o próprio poeta ou um personagem criado por ele, apaixonado por uma mulher inacessível, já que esta pertencia a uma classe social superior. Nota-se, portanto, o platonismo amoroso com sua coita-amorosa. Já a cantiga de amigo – e amigo aqui significava namorado – é uma composição poética em que o eu lírico se passava por uma mulher, sofrendo pela ausência de seu namorado, que se encontrava ainda na guerra, sem conseguir chegar a tempo ao encontro marcado. A diferença básica entre as duas cantigas é que a de amor o eu lírico era masculino; a de amigo, feminino. 

Mas foram as cantigas satíricas que mais influenciaram os poetas populares, com sua sátira por vezes amena, na base da ironia, sem procurar citar o nome da pessoa ridicularizada; por vezes desbocada, grosseira, de tom fescenino, chegando a citar o nome da pessoa mal falada. Assim nasceram as cantigas de escárnio e de maldizer, respectivamente. É na literatura seiscentista que encontramos o primeiro grande poeta repentista do Brasil, o patusco Gregório de Matos e Guerra (1633-1696), uma mistura de homem culto com homem popular. Violeiro de mão cheia, satírico burlesco dos mais acirrados, Gregório de Matos não poupou a sociedade baiana do século XVII, passando a ficar conhecido como “O Boca do Inferno”.      

Um dos recursos para o improviso (quando se trata também de um repente) é o mote, isto é, uma espécie de tema para o desenvolvimento do poema. Luís Vaz de Camões (1524-1580), o maior poeta da língua portuguesa de todos os tempos, já se utilizava desse recurso. Como o Nordeste brasileiro sempre foi um palco de grandes estrelas, dentre elas, Lampião, Padre Cícero e Antônio Conselheiro, facilita ao cantor-poeta a inspiração dos chamados abecês, publicados em livretos modestos (alguns ilustrados pela xilografia), sendo vendidos nas feiras livres pelos próprios poetas que, com a sua retórica – prática muita usada pelos nordestinos dos mais simples até os intelectuais como o Padre Antônio Vieira com sua oratória sacra e Rui Barbosa, com sua política. Sem dúvida nenhuma, um dos grandes poetas populares do século XX, foi o cearense Patativa do Assaré (1909-2002). Sobre Antônio Conselheiro, a figura messiânica que peregrinou pelo Nordeste até chegar à Bahia e construir a sua cidade antirrepublicana de Belo Monte, causando a ira do novo regime instalado, Patativa construiu um emocionante poema em homenagem ao líder religioso. Formalmente, o poema de Patativa do Assaré contém dez estrofes de doze versos cada, perfazendo um total de 120 versos redondilhos, isto é, heptassílabos, o que facilita a musicalidade do texto, como se pode notar nos dez primeiros versos a seguir:

Cada um na vida tem / o direito de julgar. / Como tenho o meu também, / com razão quero falar / nestes meus versos singelos, / mas de sentimentos belos, / sobre um grande brasileiro, / cearense, meu conterrâneo. / Líder sensato, espontâneo, / nosso Antônio Conselheiro.

Com relação ao esquema de rimas, estão elas distribuídas pelas décimas: ababccdeed. Dessa maneira tem-se rimas alternadas nos primeiros quatro versos; já nos dois seguintes elas são paralelas e, por fim, interpoladas nos quatro últimos versos de cada décima. Quanto à linguagem empregada por Patativa do Assaré e pela maioria dos poetas populares, é aquela aprendida no curto período dos bancos escolares. Portanto, é a mais simples possível. Entretanto, é fácil perceber a tentativa desses poetas de adotar uma linguagem culta, mais trabalhada, pois são também bons ouvintes, já que o português mais bem falado do Brasil está na região nordestina.

 

Para saber mais
ASSARÉ, Patativa. Canta lá que eu canto cá, Petrópolis: Editora Vozes / Fund. Pe. Ibiapina / Inst. Cultural do Cariri, 1986.


Imagem de destaque: Vitor Cheregati

 

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