“As crianças querem saber como é que se vive!”: Sexualidade e gênero na Educação Infantil

Thais Blankenheim

A frase desse título, expressa por uma professora de educação infantil, mostra algo que os campos reacionários que coordenam a gestão da educação no país, não querem ver. Atualmente, nos deparamos com uma forte onda conservadora nos contextos sociais e políticos em nosso país. Na Educação, podemos evidenciar alguns movimentos que tentam retirar termos, proibir a menção e as discussões acerca dos temas de sexualidade e gênero na escola, bem como criar leis de criminalização da prática docente e retirar direitos sociais conquistados. Sendo a escola uma instituição que atua como espaço de ensino/aprendizagem não só de conteúdos, mas como lugar para “aprender a viver”, entende-se que é no ambiente escolar que os ideais coletivos sobre como deveríamos ser começam a aparecer como demandas e até mesmo como imposições, muitas vezes de uma forma violenta, machista e heterossexista. Além do papel da escola enquanto instituição social, faz-se importante atentarmos para a função de educadoras(es) nesse contexto, já que os aspectos pessoais e sociais de cada professor/a – os preconceitos, as atitudes, a capacitação e a formação – acerca da diversidade sexual e de gênero estão implicados nas suas práticas educacionais, impactando no seu fazer diário juntamente com as crianças e suas famílias.

Levando em consideração a especificidade da primeira infância como período fundamental na construção da subjetividade das crianças, a escolha por trabalhar os temas de sexualidade e gênero no cenário da Educação Infantil, considera, principalmente, os aspectos preventivos relacionados aos cuidados em relação ao desenvolvimento individual e social das crianças. Para isso, pensar a formação docente na educação infantil sobre temáticas de sexualidade e gênero busca embasar práticas educacionais que visem o combate aos preconceitos, as desigualdades e as violências sexuais e de gênero, desde os primeiros anos de vida.

Para isso, desenvolvi uma pesquisa que objetivou fomentar práticas educacionais que considerem as temáticas de sexualidade e gênero como transversais ao desenvolvimento infantil e aos temas da diversidade humana.  Ela teve como ponto de partida diminuir preconceitos relacionados àa diversidade sexual, flexibilizar os discursos sobre a diversidade e os papeis de gênero e garantir o acesso e o respeito aà todas as crianças e aos mais diversos formatos de famílias na instituição escolar.

Por meio do estudo realizado, foram identificadas carências formativas em relação ao tratamento dos temas de sexualidade e gênero no campo educacional brasileiro, principalmente, na faixa etária da primeira infância, evidenciadas tanto no manejo das temáticas no cotidiano escolar quanto na formação das/os profissionais da Educação. Por isso, uma proposta de formação foi desenvolvida e aplicada, no sentido de buscar assegurar o papel das/os professoras/es e, consequentemente, da instituição escolar, na atuação preventiva e protetiva do desenvolvimento integral na infância e nas práticas educativas que operem a partir de uma perspectiva de diversidade na Educação em sexualidade e gênero.

A formação buscou discutir os temas e trabalhar estratégias e boas práticas educacionais e, reduziu significativamente o nível de preconceito contra diversidade sexual e de gênero das/os participantes. Existem, na literatura, duas formas de expressão do preconceito: 1) o manifesto (flagrante), que é definido como a forma mais direta e aberta de expressar atitudes negativas e inclui elevada rejeição acerca de indivíduos ou grupos sociais e 2) o sutil, que representa uma forma mais silenciada, disfarçada ou velada de expressar opiniões contrárias sobre sujeitos ou grupos. 

Em relação às manifestações mais sutis de preconceito, a modificação de atitudes referentes aos papéeis de gênero se apresentou como uma lacuna a ser trabalhada, já que é um assunto presente no dia a dia das escolas e de forma especial na Educação Infantil, considerando as pedagogias de gênero produzidas pelas/os adultas/os e destinadas às crianças. A formação contínua das/os profissionais nas temáticas de sexualidade e gênero deveria ser reforçada, para que não sejam, em suas práticas, atravessados por questões morais e religiosas, como vem acontecendo em todo o país, seja por ação direta, seja por omissão e medo das retaliações das ofensivas anti-gênero. O tratamento dos temas nas escolas precisa ultrapassar os dualismos normal/anormal, benéfico/nocivo. A lógica que implica que o sexo designado ao nascimento é quem vai determinar o gênero e induzir a uma única forma de desejo, sendo a ordem prevista a única possibilidade de se qualificar como um sujeito legítimo negando a diversidade humana, deve ser combatida. O papel da escola e das/os professoras/es em relação a essa temática deve ser assegurado, para que a instituição e as/os profissionais da Educação possam atuar, de forma preventiva e protetiva, no desenvolvimento integral das crianças e as possibilitar um ambiente onde possam aprender a viver.

 

1 – Thais Blankenheim: Psicóloga, Mestra em Diversidade e Inclusão (Feevale) e doutora em Psicologia (PUCRS). Supervisora clínica em Psicanálise no Centro Integrado de Psicologia da Universidade Feevale.


Imagem de destaque: Uncoolbob

 

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