Anarquismo e Educação Democrática

Antonio Carlos Will Ludwig

A educação anarquista é dotada de algumas concepções que constituem seus fundamentos. Uma delas se encontra em Rousseau e incide na ideia de que a criança é o centro do processo educativo, na forma de um ente que deve desenvolver suas potencialidades com vistas a tornar-se uma pessoa livre. As teses de Fourier também fazem parte e dentre elas destaca-se o jogo como estratégia relevante da educação infantil, o ensino antiautoritário e a ligação das atividades intelectual e manual. Aparece também a proposta  de Dewey relativa à ação discente como meio de barrar a imposição docente e a transformação dos alunos em pessoas submissas. 

O processo educativo anarquista visa fazer com que os indivíduos, desde a mais tenra idade, introjetem em seus psiquismos o ímpeto libertário. Sua aquisição e manutenção é de suma importância para abalar a opressão, dificultar e se possível impedir o seu avanço. Ele deve também incrementar nos jovens a postura crítica, a autonomia pessoal e o sentimento de solidariedade.

Marca indelével  desta ideologia, o ensino antiautoritário tem por escopo dotar as pessoas da capacidade de autodecisão, torná-las responsáveis pelos seus próprios destinos e resistentes à ação opressora e exploradora. Sustenta que a ascendência da geração mais velha sobre as crianças deve durar pouco tempo a fim de não impedir que elas assumam o mais cedo possível as rédeas de seus processos formativos. Alguns anarquistas defendem a tese de que nada deve ser posto como obrigatório às crianças e outros propugnam que a atividade educativa precisa estimular a conduta rebelde e preparar a juventude para atuar contra o sistema social injusto e desigual. A educação integral se apresenta também como uma peculiaridade substantiva e possui o sentido de desenvolvimento total das potencialidades individuais, seja no aspecto físico como nas dimensões intelectual e afetiva.

Alguns expoentes da educação anarquista merecem ser mencionados. Um deles é Miguel Bakunin. Ele defendeu de modo entusiástico o ensino integral para as massas visando evitar que no futuro nenhuma classe social continue a manter-se acima do conjunto do proletariado, dominando-o e explorando-o por deter uma dose mais elevada de conhecimento.

Outro representante destacado da educação anarquista foi Pedro Kropotkin, que atacou a separação dos trabalhos intelectual e manual que era defendido com base no argumento da divisão social do trabalho. Reconheceu porém a importância da especialização profissional do proletariado desde que precedida de uma educação geral que abranja os conhecimentos científicos.

O terceiro é Sébastien Faure, criador da denominada Colmeia, um estabelecimento educativo que agregava algumas dezenas de crianças dos dois sexos e promovia um ensino onde não havia lugar para os castigos, as recompensas e a classificação dos alunos. Se mostrava também como um laboratório pedagógico, ou seja, um local de experimentos inovadores onde se incentivava a vida ao ar livre, a higiene, as atividades esportivas, a observação, o debate e a mentalidade crítica.

Em nosso país a educação anarquista  emergiu nos primórdios do século passado. Vale citar a cidade de Sorocaba que abrigou algumas escolas norteadas por esta ideologia. A Escola Moderna da Liga Operária nascida em 1911 tinha por meta a conscientização política, o anticlericalismo, a defesa da liberdade, da emancipação da mulher e dos trabalhadores. Seus alunos além de aprenderem a ler, escrever e contar participavam assiduamente dos eventos organizados pela referida liga. Outras também prosperaram, tais como a Moderna de Santa Rosália, a  Moderna de Votorantim e a Moderna da Chácara de Vicente de Cária. Nos dias que correm, o nome do professor Sílvio Gallo desponta como um dos principais estudiosos, divulgadores e defensores da educação anarquista.

Atualmente  encontram-se ativas várias escolas anarquistas. A  Rebel City de Londres é um exemplo. Ela oferece sessões para aprimorar as habilidades de cooperação,  cultivar  estratégias anti-hierárquicas e combater o bullying e demais condutas agressivas. Desenvolve também um módulo sobre a ideologia anarquista junto com tópicos da teoria política. Outra é a Free Skool situada no Canadá cujas turmas agregam  transgêneros e classes compostas de crianças, adolescentes e idosos. O debate e a discordância são fortemente incentivados e o preparo para a ação comunitária constitui a meta principal. Vale destacar que os anarquistas que atuam na educação regular de todos os níveis buscam espaços dentro do currículo para divulgar as propostas do anarquismo.

Como pode ser notado, a educação anarquista, da mesma maneira que a educação socialista, se mostra totalmente harmônica à democracia, especialmente à sua vertente participativa. Vai além do movimento que apregoa a radicalização democrática porquanto o mesmo defende a manutenção de um equilíbrio entre as formas representativa e participativa. Ressalte-se que o anarquismo tem por meta a superação do modelo representativo e a consequente institucionalização do modo participativo que privilegia a figura do cidadão ativo, ou seja, do indivíduo que age na esfera pública como governante a serviço da coletividade, principalmente a favor dos setores desprivilegiados que são majoritários na vida em sociedade.


Imagem de destaque: Mídia Ninja

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