A universidade e seus currículos: por uma leitura humanista IV

Roberto Rafael Dias da Silva

 

Ao longo deste semestre escolhi compartilhar algumas leituras que tenho realizado acerca do lugar das Humanidades nos currículos dos cursos universitários na atualidade. Tais leituras são derivadas de um conjunto de incursões profissionais – na forma de palestras, cursos, aulas e consultorias – em que tenho sido desafiado a pensar mais atentamente sobre esta questão. Não há dúvidas que se trata de uma provocação importante com a qual a maioria das instituições tem se deparado na última década, ou mesmo não podemos negar a necessidade de tais ciências potencializarem novos caminhos ou novas trilhas interpretativas para o século XXI. Conforme defendi recentemente em uma aula – este último reduto em que ainda podemos exercer o pensamento – uma leitura humanista não pode se render ao primado da utilidade.

Para conduzir esta reflexão, utilizei uma leitura muito conhecida em nossas faculdades –  a obra “A utilidade do inútil: um manifesto”, escrita pelo filósofo italiano Nuccio Ordine. Em seu texto, com tom de manifesto, Ordine nos provoca a pensar que útil seria tudo aquilo que nos ajuda a sermos melhores e melhorarmos o mundo, estabelecendo uma crítica a nossa cultura utilitarista e ao culto da posse. Em suas palavras, “há saberes que têm um fim em si mesmos e que – exatamente graças à sua natureza gratuita e livre de interesses, distante de qualquer vínculo prático e comercial – podem desempenhar um papel fundamental no cultivo do espirito e no crescimento civil e cultural da humanidade”.

O manifesto é dividido em três partes que delinearemos brevemente a seguir. Na primeira parte o foco recai sobre “A útil inutilidade da literatura”, lançando um olhar desinteressado que vai de Dom Quixote – descrito como o “herói do inútil e da gratuidade” – até Heidegger e a dificuldade de compreender o inútil. Na segunda parte, intitulada “A universidade-empresa e os estudantes clientes”, o filósofo inicia com uma crítica ao papel cada vez mais descompromissado do Estado com o Ensino Superior que tem forçado as universidades, “devido à penúria de fundos”, a constituírem-se cada vez mais em meras “fábricas de diplomas”. Também denuncia o papel dos estudantes como clientes e dos professores como burocratas que “passam seus dias a preencher formulários, fazer cálculos, produzir relatórios (às vezes inúteis) para estatísticas, tentar enquadrar rubricas dos orçamentos cada vez mais minguados, responder questionários, preparar projetos para obter míseros aportes, interpretar normas ministeriais confusas e contraditórias”. A terceira e última parte, intitulada “Possuir mata”, retoma o argumento de diferentes pensadores que, em contraponto a lógica do possuir que ocupa hoje uma posição de destaque, apontam para os perigos e “efeitos deletérios do possuir em todos os campos do saber e em todas as formas de relação humana”.

Cabe então, para concluir esta reflexão, lembrar que “entre tantas incertezas, uma coisa é certa: se deixarmos o caráter gratuito morrer, se renunciarmos à força geradora do inútil, se escutarmos unicamente esse mortífero canto das sereias que nos impele a perseguir o dinheiro, somente seremos capazes de produzir uma coletividade doente e sem memória que, perdida, acabará perdendo o sentido de si mesma e da vida”. Nosso desafio continua sendo defender o lugar da formação humanista dos currículos das universidades, reconhecendo – de forma ambivalente – a urgência de as próprias Humanidades reinventarem a si mesmas; mas, de maneira que não abdiquem da tarefa de custodiar os conhecimentos que elaboramos ao longo dos séculos.


Para saber mais:

A utilidade do inútil: um manifesto, de Nuccio Ordine. Editora Zahar, 2016.

Imagem de destaque: Estúdio Insólito

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