A sexualidade como direito à jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação

Mario de Oliveira Neto1

Ruth Tainá Aparecida Piveta

Vários aspectos atravessam a vivência de jovens que experienciam a lógica das instituições totais, aquelas que se dedicam à socialização e controle da população, como as prisões e as medidas socioeducativas de internação para jovens em conflito com a lei. Sobre esta última, um aspecto presente na dinâmica se refere à vivência das suas sexualidades, ainda pouco discutida e explorada dado o incômodo que o tema sugere quando se aproximam dois temas que remetem a risco e controle: juventude e sexualidades. 

Tratamos aqui de um recorte etário que se estende dos 12 aos 18 anos, período no qual são passíveis as aplicações de medidas socioeducativas. Fazemos a escolha pelo uso do termo juventude em razão das discussões que localizam a noção de adolescência como construção biologizante desse período da vida. 

Ao considerar os diversos atravessamentos na composição da subjetividade, a juventude se configura como uma produção. Histórica, social, econômica, cultural, o que implica em reconhecer que os processos de mudança ao longo da experiência juvenil é algo fluido, variante, constante, que segue diferentes caminhos, a depender de como os marcadores sociais, que implicam nessa produção, se entrecruzam. Vivências territoriais, marcadores de gênero, raciais, questões socioeconômicas, entre outros aspectos, quando combinados, produzem diversas possibilidades para isso que chamamos ser jovem.

Portanto, a juventude não é um conceito fechado em si, e faz mais sentido, desde essa perspectiva, pensarmos na noção de juventudes, no plural, considerando que são diversas as experiências que podemos encontrar quando nos debruçamos sobre esse campo.  

A partir dessa concepção de juventude, o jovem em conflito com a lei, a partir da prática de ato infracional poderá receber como sanção a aplicação de uma medida socioeducativa. As unidades que executam e acompanham essas medidas compõem o Sistema Socioeducativo, sendo que esse campo normativo e de atenção a autores/as de ato infracional, está voltado para a responsabilização e produção de estratégias de proteção para jovens que nele adentram.

Quando a medida aplicada é a internação, esses jovens ficam privados de liberdade, e, durante o cumprimento dessa medida, são atendidos por uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais de diversas áreas. Essa equipe tem como tarefa pensar, conjuntamente com essas/es jovens e suas referências familiares, outros possíveis, considerando que a vivência infracional apresenta riscos e prejuízos para suas vidas, buscando, a partir de suas intervenções o (re)estabelecimento de um projeto de vida distanciado da prática infracional e da reincidência.  

Dentre diversos aspectos produzidos nessas intervenções, o que se observa é que as dimensões relacionadas à vivência da sexualidade, muitas vezes, circulam no plano do discurso moral, da disciplina dos corpos e desejos, ou, até mesmo, são negadas, expurgadas e silenciadas nas práticas de equipes e das experiências das/os jovens. 

Então, provocamos aqui. Como encontrar caminhos para outras maneiras de abordar a sexualidade? Como romper esse silêncio barulhento, no que diz respeito às vivências sexuais desse público? 

Em primeiro lugar, cabe uma desconstrução da sexualidade como esse lugar do absurdo, do não-dito, do silêncio. Cabe tomar a sexualidade como aspecto que compõe a vida e suas experimentações. Arrancar a sexualidade do campo moral e trazê-la para o campo da ética, a ser pensada nas nossas mais cotidianas ações, pensá-la como parte da vida. Uma abordagem fragmentada na compreensão da sexualidade, apenas em sua perspectiva biológica, limita sua dimensão, já que a sexualidade deve ser entendida em sua integralidade, considerando-a como construção social, política, econômica, cultural e histórica.

Em segundo lugar, é preciso abordar a sexualidade, em sua intersecção com a juventude, para além dos campos moralizantes e normativos que, de maneira recorrente, apresentam o sexo e a sexualidade como campos perigosos. Muitas vezes, ao abordarmos a sexualidade na e com a juventude os primeiros pontos que se evidenciam referem-se à dimensão do risco: gravidez precoce, ISTs, vivências de violências sexuais. O sexo é apresentado como algo a ter cautela, e, de preferência, evitado

Logo, os discursos referem-se ao “perigo” da sexualidade juvenil, considerada como prática precoce e negativa. Embora esteja prevista nos termos legais a plena vivência da sexualidade, independentemente da idade, na prática, infância e juventude não são contempladas por esses direitos. As abordagens mais recorrentes, nesses debates, se conectam mais fortemente a debates da saúde e do enfrentamento da violência e/ou exploração sexual, com poucas investigações em outros aspectos desse caleidoscópio múltiplo e complexo.

É necessário e urgente construirmos outras práticas e outras maneiras de abordar e intervir nesse campo, a partir da perspectiva dos direitos sexuais, tomando a dimensão da sexualidade como propositora de prazer e qualidade de vida, que compõe as mais diversas vivências e experiências, desde as relações sexuais consensuais às relações afetivas com suas diversas dimensões de prazer e cuidado.

Considerando a sexualidade como componente do processo de subjetivação, lançamo-nos à reflexão de garantia dos direitos integrais à jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Tendo em conta a importância de garantir direitos a esses jovens, consideramos necessário e imprescindível o pleno direito de exercício e manifestação da sexualidade nesses espaços. 

Dessa maneira, considerando os diversos profissionais que compõem esse processo socioeducativo, é necessário pensar caminhos para o diálogo, abertura para pensar, junto a jovens que estão privados de liberdade, possibilidades para a construção de espaços de debates, atendimentos, intervenções, que abordem as temáticas referentes à vivência da sexualidade, do prazer, do cuidado de si, considerando as diversas interseccionalidades que marcam e constroem os corpos e as vidas dessas pessoas. 

 

1Psicólogo, mestrando em Educação Sexual pela UNESP- Araraquara/SP. 

2Psicóloga mestra em Psicologia e Sociedade pela UNESP- Assis/SP, doutoranda pela mesma instituição. Membra do Grupo de pesquisa Psicuqueer.

 


Imagem de destaque: Fotos Públicas / Omar Freire 

 

 

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