À procura de uma autoria…

Rosa Gouvea de Sousa

Olá, desejo que se encontrem bem. Gostaria de começar me apresentando… me chamo Rosa, sou trabalhadora do SUS, professora universitária, cursando a Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei. Trouxe para cá algumas reflexões sobre “autoria” provocadas durante meu doutoramento e sobre as quais gostaria de trocar ideias. Para isso, partilho inquietações que me acompanham no ato de fazer ciência.

Eu não sei precisar em que momento isso se tornou a trajetória investigativa com a qual tenho dialogado, mas sei que guarda relação com provocações e com desobediências que autoras latinoamericanas apresentam quando falam sobre enfrentamentos às performances capitalistas e moderno-ocidentais. Devo começar dizendo que carrego aproximações e distanciamentos sobre o ato de ser pesquisadora no Brasil e que isso inundou minhas escolhas sobre trajetórias investigativas.

Caminho à risca do apagamento pela ciência moderna ao mesmo tempo em que me jogo na militância pelo Sistema Único de Saúde e isso fala diretamente com minha percepção sobre autoria. Lugares de fala, posicionamentos epistêmicos, sistemas de gênero…entendi, em um dado momento, que meu ponto de partida para o ato de pesquisar habitava a tradição científica moderna ocidental…

Porém, as intenções investigativas com as quais eu dialogava emergiram de um coletivo de mulheres trabalhadoras do SUS cuja produção de conhecimento passava por validações que diziam respeito a outras interpretações de mundo. Exemplo disso era a autoria compartilhada. Neste caso, adiciono que eu, inclusive, compunha com elas esse coletivo e era partícipe dessa autoria… o que em si é apresentado como um “perigo” à ciência…

Tão logo a escrita teve início, junto cresceu minha desconfiança:

  • Por que fazer uma ciência que se propõe a explicar e justificar uma organização social que estratifica relações humanas e condiciona existências? Isso nos afasta, nos apaga e violenta.
  • Quais caminhos a autoria pode percorrer em que estejam presentes o cuidado e a atenção conosco, com quem sou e sobre quem essas mulheres são? Desejamos falar sobre nossas resistências e re-existências que tanto mobilizamos ao trabalhar na saúde.

De pronto, precisei entender meu “distanciamento” pela ciência, como se esta guardasse impedimentos. Com o devido tempo, conversas, estudos e orientações entendi que a tal ciência se trata de colonialidades de muitos séculos, cujos fundamentos reduzem a ideia de ser humano a uma existência narcísica da branquitude (Bento, 2002) e que autorias sexuadas revelam exegeses epistêmicas a serem cerceadas por essa ciência… e tal constructo afeta.

Trago este como um ponto que me instiga e, para isso, trago os argumentos de Maria Lugones. Conforme proposto por Lugones (2012), as categorizações de gênero e de raça são imposições eurocêntricas que determinam a inferiorização das mulheres colonizadas a partir de colonialidades de poder e pela permanência de um sistema de gênero característico à modernidade ocidental. Esta “organização social” para se manter hegemonicamente produz hierarquias por meio do controle e da violência sobre as mulheres, principalmente as afropindorâmicas, conforme debatido por Antonio Bispo Santos (2015).

O fazer ciência no Brasil traz a presença majoritária das mulheres, porém suas diversas compreensões de ser são veladas por este sistema de gênero. Uma das formas de exercer o velamento é a neutralidade autoral. Explicitamente, como reforça Carla Akotirene (2019), a neutralidade que opera por opressões de classe, de gênero, de raça, religião, de sexualidade, e que atravessam as existências e diferenças entre as mulheres.

Nesse sentido, há que se denunciar o impacto da neutralidade autoral e as tipificações que essa carrega. Este é um desafio que segue ao meu lado: como fazer pesquisa atenta às violências epistêmicas reproduzidas no sistema vigente acadêmico e como me deslocar para outros fazeres, respeitando as sujeitas envolvidas e suas pautas. Encontro-me neste cruzamento de caminhos que se abrem a outras autorias… seguindo as autoras do Sul Global, um forte abraço, Rosa.

 

Sobre a autora
Núcleo de Estudos sobre Gênero, Raça e Direitos Humanos (NEGAH/UFSJ).

Para saber mais
Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo, SP: Sueli Carneiro; Pólen, 152 p.

Santos, A. B. (2015) Colonização, Quilombos, Modos e Significações. Brasília: INCTI/UnB.


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