A Origem da cartilha de alfabetização de adultos “O Ribeirinho”

Fabrício Valentim da Silva1

O Paulo Freire sempre destacou que, a educação não transforma o mundo. A educação transforma as pessoas. As pessoas transformam o mundo. Essa força motriz transformadora tem um ponto de partida: a consciência de classe. Sem essa consciência a cidadã e o cidadão permanecem refém de uma realidade material desigual com muitos problemas e sem perspectivas de superação. Em setembro de 2007, eu tive a oportunidade de vir do município de Uberlândia-MG para trabalhar como professor no Centro de Estudos Superiores de Tefé (CEST) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em Tefé, região do Médio Solimões. Imerso nesta nova realidade e junto com outros colegas dos cursos de Licenciatura em História e Pedagogia tivemos a oportunidade de encontrar, de conhecer e organizar um rico acervo documental sobre a história e memória do Movimento de Educação de Base (MEB) de Tefé e região, só essa experiência já daria um outro relato, porém, gostaria de chamar atenção ao fato de que foi nesse acervo que organizamos, onde tive o primeiro contato com o material de alfabetização de adultos O Ribeirinho.

Antes de apresentar a leitora e ao leitor um pouco da história e princípios pedagógicos norteadores desse rico material de alfabetização de adultos preciso dizer que, em agosto de 2009, quando me mudei de Tefé com destino a Itacoatiara, região do Médio Amazonas, para assumir o cargo de professor no Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia (ICET) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) também me deparei com as cartilhas O Ribeirinho neste município. Pois, ao realizar entrevistas com ex-coordenadoras(res) pedagógicos do MEB em Itacoatiara-AM eles me relataram o uso da cartilha já nos anos 1990, período de encerramento do MEB Amazonas no município.

A cartilha de alfabetização de adultos não ofereceu oportunidades somente para seus educandos e educandas, ofertou para mim também, pois o Ribeirinho junto com o material Poronga compuseram minha amostra de análise de conteúdo qualitativa de livros didáticos para a alfabetização emancipadora na tese de doutorado desenvolvida e defendida na Université de Montréal, Canadá em 2019. Dessa maneira, O primeiro projeto Seringueiro produziu as cartilhas Poronga, cartilhas totalmente desenvolvidas para o mundo dos seringueiros, muito explorados pelos donos dos seringais da região de Xapuri-Acre. O segundo projeto foi fruto da relação do MEB com o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) e da experiência do projeto Seringueiro que deu origem ao material didático O Ribeirinho, pensado justamente para a realidade da vida social, econômica e cultural dos ribeirinhos e ribeirinhas da região amazônica do Médio Solimões. Nesse sentido, cabe destacar que os projetos Poronga e O Ribeirinho foram experiências educacionais distintas da escola tradicional, pois buscavam uma educação de adultos que desenvolvesse uma alfabetização capaz de transformar a vida do educando para que ele se tornasse socialmente e economicamente emancipado por meio da educação, alfabetização e capacitação política. 

É importante destacar também que, epistemologicamente, os alicerces desse letramento emancipatório foram forjados a partir do princípio de que os saberes são diferentes e não superiores entre si – como Paulo Freire sempre destacou – e que a experiência de vida do educando pode ser valorizada juntamente com o conhecimento científico e não ser rejeitado ou considerado como algo inferior ou inválido (Freire, 1969, 1970). 

Esse projeto durou três décadas e teve como foco a alfabetização de adultos de uma perspectiva libertadora. Devido ao sucesso da experiência em Xapuri, o sistema de alfabetização adotado foi assumido pelo MEB na região do Juruá, ainda na década de 1980. No início, com a mesma orientação do CEDI, foi produzido um livro didático de português (edição Juruá). Numa segunda etapa, foi produzido o material didático O Ribeirinho/Livro Didático de Alfabetização, com cartazes de motivação; o livro didático de Matemática (primeiras contas), também para educandos e monitores do MEB Amazonas (Tefé), especificamente adotado a partir de 1983/84, no ambiente da região do Solimões. Espero que tenham gostado deste relato de caminhada, ou melhor de remos na canoa da pesquisa em educação no interior do Amazonas.

 

1 – Prof. Adjunto III do Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia (ICET) de Itacoatiara da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Vice-líder do Grupo de Pesquisa em Educação, Formação e Ensino para a Diversidade. 


Imagem de Destaque: Ribeirinho (1984).

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