A nova ordem mundial: da rede solidária global à confirmação do poder do capital

Raquel Melilo 

Renata Fernandes

Março de 2020 mudou os rumos da história da Humanidade. Foi no dia 11 daquele mês que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou oficialmente que havia uma pandemia no mundo. Fomos atropelados, inicialmente, pela sensação de fraqueza diante da situação posta. Trancamo-nos em casa com a esperança de que seria breve. E a veracidade do vírus mostrava a potência da natureza ao mesmo tempo que relevava a impotência humana. Nossa natureza, tão negada pelos processos de socialização da vida, foi sendo escancarada. Vestimos roupas que respeitam nossos corpos e comemoramos como se esse prazer nos estivesse sendo negado há anos (e estava). Mas somos também seres culturais. E a sociedade do século XXI é a sociedade do desempenho, diferente da sociedade disciplinar do século XX. A sociedade do desempenho produz depressivos e fracassados, como analisa Byung-Chul Han. Seus habitantes são “empresários de si mesmos”. Então, trancados nos vimos obrigados a melhorar nosso desempenho. Era a oportunidade de cozinhar coisas novas e saudáveis, fazer cursos de idiomas, praticar atividade física e aprender a relaxar com meditação guiada… A maioria de nós fracassou. 

Fracassamos individualmente naquilo que procuramos desempenhar e fracassamos como projeto de sociedade. Recebemos um convite: parar para repensar a vida. Paramos e não pensamos. Quem se deu ao trabalho do exercício intelectual produziu imagens positivas da sociedade do futuro. O economista Eduardo Giannetti disse em uma entrevista: “O meu desejo e a minha esperança é que essa pandemia produza amadurecimento ético. Um país como o Brasil tem uma oportunidade talvez única de reconhecer a gravidade do abismo social e da desigualdade que nos envergonha como sociedade.” Outubro de 2021. Estamos distantes dessa realidade enquanto Brasil e mundo. Por quê?

A gente perdeu a oportunidade de repensar nossos valores e de aplicar outras métricas do que consideramos “sucesso”. Voltamos a trabalhar como loucos e a consumir como antes. Eduardo Giannetti usa a categoria “bens posicionais” para analisar este sistema de valores atual. “O mercado vai criando novas oportunidades para você se diferenciar e ocupar um lugar de honra na mente dos seus semelhantes por ter acesso a bens que os outros não têm, e que acabam invejando profundamente os que têm. Essa é a lógica que preside boa parte do sistema econômico hoje: a competição por bens posicionais, poder sinalizar socialmente que você é um vitorioso nesse sentido.” A pandemia era a chance para encontrarmos outros valores que possibilitassem a realização humana e o reconhecimento dos demais. Poderíamos ter resgatado o senso de solidariedade que nos moveu em outros momentos da história da Humanidade. Essa solidariedade poderia ser uma resposta. Virou uma promessa. 

Daqui a algumas décadas não vamos nos lembrar de março de 2020 como um fenômeno que mudou o curso da história. Vamos falar que houve um desvio no ritmo da produção e do consumo. Poderíamos ter substituído os valores de sucesso segundo a métrica estadunidense. Mesmo quando os Estados Unidos deixaram de ocupar um lugar de destaque no mundo, em 15 de agosto de 2021, colocamos outra potência no lugar. A métrica não mudou. Os bens posicionais continuam nos movendo. A diferença é que agora eles chegam de AliExpress.


Imagem de destaque: Maria Eduarda Castro Ferreira (aluna da 2ª série do Colégio Mangabeiras). 

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