A emergência do grupo escolar e a produção das escolas isoladas no Espírito Santo

Maria Anna Xavier Serra Carneiro de Novaes¹

Eleger as escolas isoladas como objeto histórico implica considerar os significados políticos e socioculturais da diferenciação da instrução primária republicana. Trata-se de um elemento central para a compreensão das desigualdades educacionais que predominaram na rede escolar de ensino público (GOUVÊA ET AL, 2016). Afinal, o surgimento do grupo escolar provocou não apenas uma nova designação para o antigo modelo, a escola unitária ou singular, como também – e sobretudo – uma nova condição simbólica, materializada em diferentes condições de funcionamento para cada instituição. 

Neste espaço, compartilho reflexões acerca da produção das “escolas isoladas” capixabas pela diferenciação aos grupos escolares, no contexto da reforma liderada pelo educador paulista Carlos Alberto Gomes Cardim, responsável pela organização do ensino primário local durante o governo de Jerônimo Monteiro (1908-1912). 

Ao contrário de outros estados brasileiros, o surgimento da “escola isolada” na legislação capixaba ocorreu em contraponto ao estabelecimento da Escola Modelo e não após a implantação efetiva dos grupos escolares, sinalizando o caráter imediatista e prescritivo da Reforma Cardim. Com a criação do primeiro grupo escolar em 1908, meses após o estabelecimento da Escola Modelo, a euforia das autoridades se amplificou e foi instaurado um decreto suprimindo as escolas isoladas da Capital. Evidenciava-se, dessa forma, a força simbólica do grupo escolar e, ao mesmo tempo, o modo como a reforma educacional em curso se pautava em uma tentativa de transplantação de um modelo escolar à revelia do que a realidade capixaba apresentava. 

Apesar dos ímpetos modernizadores de Jerônimo Monteiro, o Espírito Santo permanecia um estado com povoamento escasso e economia predominantemente agrícola, de modo que a Reforma Cardim esbarrava em entraves diversos de ordem econômica, social e cultural. Embora projetado como instituição modelar, o funcionamento do primeiro – e, por muitos anos, único – grupo escolar da cidade foi marcado pelo improviso e pela debilidade das ações do governo estadual. Além disso, Vitória apresentava inúmeros lugarejos de difícil acesso e baixa densidade demográfica, tornando as escolas isoladas imprescindíveis.

Diante desse quadro, a medida de supressão das escolas isoladas obviamente não vigorou. Pelo contrário: o predomínio das escolas isoladas no conjunto da instrução pública primária durante o período estudado foi absoluto. Em 1916, oito anos após a reforma, o Estado contava com apenas dois grupos escolares, em contraposição às 210 instituições isoladas existentes. 

Com isso, ainda que postas como inferiores aos grupos escolares, as instituições isoladas foram reconhecidas como necessárias diante da impossibilidade de expansão da escola graduada e, por consequência, acabou-se investindo em sua qualificação por meio da criação de uma instituição-modelo. Mesmo com a criação da Escola Isolada Modelo, porém, as escolas isoladas permaneceram secundarizadas e invisibilizadas nos documentos oficiais e nos discursos em circulação na imprensa local. 

Ao priorizar um modelo de escola que pouco dialogava com as demandas da população e com as possibilidades do Estado, o projeto republicano para a instrução primária tornou ainda mais precários os outros modelos de organização da escola. O apagamento das escolas isoladas capixabas buscava tornar visível um grupo escolar que, na prática, não cumpria o papel que lhe era atribuído discursivamente.

Nas fendas dos documentos, contudo, entreve-se tanto as fragilidades do grupo escolar Gomes Cardim como a qualificação de determinadas escolas isoladas da Capital. Por um lado, a classificação em grupos escolares, escolas isoladas e escolas reunidas significou diferentes programas de ensino, formação docente, remuneração dos/as professores/as, infraestrutura, tempo de duração do curso primário, dentre outros. Por outro, sob a denominação genérica de “escolas isoladas”, revelaram-se experiências muito diversas de escolarização. 

Se o conhecimento do passado é algo que se transforma e se aperfeiçoa constantemente (BLOCH, 2001), pela via da produção e do uso abrangente das fontes, foi possível “[…] descortinar, na proporção inversa dos apagamentos históricos, sujeitos e histórias encobertas, mal contadas, ou simplesmente apagadas da/na historiografia” (SIMÕES, 2012, p. 215). O estudo das escolas isoladas capixabas é um convite para prosseguirmos em busca de pistas, indícios e sinais que, tomados em seu conjunto, mobilizem a compreensão das singularidades, permanências e rupturas na historiografia da educação primária brasileira.

 

1Mestre em Educação. Membro do Núcleo Capixaba de Pesquisa em História da Educação (Nucaphe).

 

Para saber mais: 

BLOCH, Marc. Apologia da História ou Ofício do Historiador. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2001.

CARVALHO, Marta Maria de. Prefácio. In: SOUZA, Rosa Fátima de. PINHEIRO, Antonio Carlos Ferreira; LOPES, Antônio de Pádua Carvalho (Org.). História da Escola Primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional. Sergipe: Edise, 2015. p. 4-8. 

GOUVÊA, Maria Cristina Soares de; SOUZA, Rosa Fátima de. Escolas isoladas e reunidas: a produção da invisibilidade. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 2, p.229-231, abr. 2016.

SIMÕES, Regina Helena Silva (Org.). Produção e uso das fontes: interdições, possibilidades e escolhas de historiadores/as da educação. In: SIMÕES, Regina Helena Silva; GONDRA, José Gonçalves (Org.). Invenções, tradições e escritas da História da Educação. Vitória: Edufes, 2012. p. 215-235.


Imagem de destaque: Exposição sobre os negócios do Estado no quadriênio de 1909 a 1912 enviada ao Congresso Legislativo do Espírito Santo por Jeronymo de Souza Monteiro. Victoria: Imprensa Official, 1913.

 

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