A EJA tem cara, cor, classe e força!

Renata Amaral1

A educação de jovens, adultos e idosos brasileiros é nosso ato político, de luta e resistência contra um sistema de organização social de aculturação, dominação e exploração dos povos, que remonta à colonização do nosso país (PAIVA, 1973). Época em que o acesso à formação escolar e aos bens culturais era um privilégio das pessoas de classes média e alta, visando à perpetuação do modelo opressor de sociedade. Estamos em pleno século XXI e essa distinção persiste porque ainda não temos uma política que assuma efetivamente a educação como direito universal, em qualquer momento da vida, e em consonância com as especificidades individuais e coletivas. Isso porque o descaso com a educação faz parte de um projeto político.

Por isso, afirmamos que a EJA tem cara, cor e classe. As pessoas que participam da EJA, em sua maioria, são jovens e adultos da classe popular; são homens e mulheres, com responsabilidades sociais e familiares, predominantemente negras e negros; são trabalhadores proletariados, às vezes, sem-trabalho; que, no curso da nossa história, tiveram o direito à educação negado. Devido às demandas da vida, que exigia deles escolher entre trabalho e escola, essas pessoas precisaram optar entre a sobrevivência e o conhecimento, conforme Santos (2012).

Neste mesmo cenário, exaltamos a força da EJA, que está na capacidade de manter a esperança em movimento e de organização coletiva. Muitos são os coletivos que compõem a EJA: movimentos sociais, de mulheres, de negros, de indígenas, dos trabalhadores sem-terra, dos que buscam por uma educação do/no campo, das pessoas LGBTQIA+, dos trabalhadores sem-teto, das pessoas em situação de rua e de milhares de famílias.  Na luta por um mundo justo.

Neste contexto, todos nós, educadores, também estamos presentes, e nossa ação docente precisa contribuir para a emancipação dos sujeitos e para construção de mecanismos coletivos que tenham potencial para transformar o mundo em que vivemos.

Paulo Freire também está presente nestes coletivos com sua ação educativa que desmascara as estruturas sociais que oprimem, que segregam e que subalternizam determinados grupos sociais. Freire propõe uma educação emancipatória, libertadora, em oposição à educação bancária, porque acredita que, se o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele (FREIRE, 1997, p. 128).

Educar com Paulo Freire não é contribuir para nomear o mundo de maneira fatalista e determinista. Ao contrário disso, é contribuir para problematização da realidade, para que nos reconheçamos como sujeitos da história, sejamos capazes de compreender criticamente o contexto em que estamos inseridos. E, por meio deste processo de ensino e aprendizagem, possamos ser capazes de refletir sobre nós mesmos, como sujeitos e cidadãos, e nos reelaborarmos como seres humanos, aprendendo a dizer a nossa própria palavra, a escrever a nossa própria história.

O direito à educação é uma das nossas grandes conquistas, nunca foi uma benesse do Estado. Na verdade, é alvo de uma luta contínua, contra o retrocesso, o desmantelamento das políticas públicas de educação, a manutenção do estado de coisas, contra a opressão, a favor de uma educação pública, laica e de qualidade social.

A EJA é nossa bandeira de luta por justiça social. Lutar, sonhar, esperançar são nossos imperativos, sobretudo, nestes tempos tão sombrios. 

Na EJA, Paulo Freire é verbo e, por isso, conclamamos todos a freireanear!

 

1Sou uma pessoa inquieta e inventadeira. Nascida nas Minas Gerais, aprecio um bom café com pão de queijo, uma boa prosa e um bom livro, bem como a companhia terna de meus dois filhos, Alice e Juninho. Minha cabeça é povoada por palavras. Por meio delas, desenvolvo meus trabalhos e travo minhas lutas em prol de um mundo justo para todas e todos nós. Atuo profissionalmente como docente e pesquisadora do Núcleo de Letras, no Centro Pedagógico, Escola de Educação Básica e Profissional da Universidade Federal de Minas Gerais. Na esfera do ensino e extensão, atuo no ensino fundamental, na educação de jovens e adultos e na formação inicial e continuada de professores; na pesquisa, desenvolvo um trabalho investigativo no campo da literatura infantojuvenil antirracista. reamaral.teixeira@gmail.com.


Imagem de destaque: Autorretratos produzidos pelas educandas e pelos educandos do Projeto de Ensino Médio de Jovens e Adultos do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais, PROEMJA, 2017.

 

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