A educação e o imaginário

Flávio Alves Barbosa1

Por que escrever sobre educação e o imaginário? Porque o imaginário é um campo de possibilidades cognitivas e afetivas ainda não aprisionada pelo sistema simbólico capitalista que, cotidianamente, mercantiliza a vida, a natureza, a educação, a escola, as alegrias e as esperanças da pessoa humana.

O imaginário é campo fértil de significação. Nele, não há espaço para a instituição de um pensamento único que tudo normaliza, pois o movimento da imaginação vai-se em sentido contrário. O pensamento único é fechado, predeterminado, prefixado; a imaginação é aberta, indeterminada, dialética e expansiva, o que é diferente de progressivo. A educação que o imaginário faz nascer está em oposição àquela que hierarquiza, generaliza e unifica, porque não é funcional. 

E por não ser funcional é campo para humanizar a educação que, nos últimos anos, tem sido engessada por um excessivo pragmatismo focado no ensinar a aprender, sempre mais necessitado de resultados estatísticos ampliados do que de humanização. 

Imaginar é questionar a educação técnico-operativa, estruturada em competências e habilidades, feita de relações padronizadas, para a qual não tem sentido o pensar, mas tão somente o saber fazer, que é simples treinamento. Este a tudo reveste pelo valor de troca, impondo-nos o medo de nossos conhecimentos e saberes tornarem-se obsoletos e descartáveis. 

Atualmente, ronda-nos, como um fantasma, a pergunta: será que alguém se interessará pelo que sei ensinar? E o medo de ouvir um não, nos faz submissos à ânsia de adaptação às rápidas transformações tecnológicas cantadas em verso e prosa pela turma do progresso, em especial neste tempo de pandemia. E esta adaptação, ao contrário do prometido, nos faz vítima da mais cruel condição imposta pelo capital, isto é, a transformação radical de homens e mulheres em mercadoria.

Faz bem não esquecer que no modo de produção capitalista o interesse é o labirinto e o ferrolho que nos aprisionam. Pelo interesse, as singularidades humanas são reduzidas ao múltiplo. E no múltiplo, somos simples repetição com cara de diversidade, brutal homogeneização.

Como antídoto, imaginar é desinteressar. No desinteresse, há gratuidade, bondade, generosidade, gentileza, esperança, fraternidade. No imaginário, a educação é partilha e comunhão entre os muitos que o habitam. Imaginar é promover uma educação sensível e responsável pela vida violentada e jogada às margens do mundo.

O trabalho educativo a partir do imaginário permite inventar novos modos de ser e estar no mundo, para além do quantificável e organizável. É fonte geradora de (inter)subjetividades inconformistas. Um inconformismo de quem deseja promover um giro ético que faz ressurgir todos os sentidos humanos subjugados pelo sentido do ter.

Uma pedagogia do imaginário é a pedagogia da não nomeação, porque quem nomeia impõe ao outro a sua identidade, deixando de recebê-lo de modo desinteressado. O ser humano é devir, por isso se sente tão bem quando tem a liberdade de imaginar. A imaginação nutre o cérebro, a alma, o corpo, a vida. O que acreditamos ser também missão da educação. 

Educar pelo imaginário é fazer da educação um “território livre”, para que as pessoas possam pronunciar as razões de se ter esperança, dar sentido ao humano e ao mundo. Uma educação que instaure crises, que nos leva a ver o mundo em sua transparência, devaneios e transgressões ante os padrões estabelecidos. Uma educação de experiências éticas e estéticas que amplia as nossas clarividências, paixões, afirmando a polissemia e ambiguidades que nos move como uma jangada no mar do mundo-da-vida.

O imaginário nos brinda com a possibilidade de viver de um modo semelhante ao das crianças e dos denominados “loucos”. Estes orientam e reorientam seu universo desde o desejo e desinteresse e não das necessidades. Estas nos aprisionam na eterna insatisfação ao passo que aqueles nos libertam e nos fazem humanos. 

Promover o acampamento da educação no imaginário é promover um movimento que nos liberta da assimilação, simulacro de liberdade a que temos sido submetidos contemporaneamente. Os sujeitos do simulacro trabalham com a ideia de fronteira, de horizonte, e transformam o humano numa ilha, incapaz de perceber quem foi colocado para fora, violentados em seus Direitos Humanos. A pedagogia do imaginário é inteiramente transbordamento. Ela traz para o centro o que é dado como impossível, como fazem as crianças e os ditos “loucos”. 

Num mundo mergulhado por alguns numa trama de violência, os Direitos Humanos para todos e todas têm sido declarados como uma impossibilidade. E um bom caminho para superar isso é trabalhar com a Educação em direitos humanos, pois ela nos permite imaginar, criar, pessoas autônomas, livres, sensíveis e responsáveis por si mesmas e pelos outros que estão excluídos da Casa Comum.

 

1Flávio Alves Barbosa, cientista social, educador popular e professor da Universidade Estadual de Goiás. E-mail: flavio.barbosa@ueg.br


Imagem de destaque: PxHere

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