Pela Reconstrução da Educação Nacional

Há 90 anos, em 1932, um grupo de intelectuais e ativistas da educação pública publicou um manifesto “ao povo e ao governo”, propondo a reconstrução da educação nacional. O documento, que veio a ser conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, é um importante registro de nossa memória educacional. Tal fato se deve, em parte, pela presença desses intelectuais na cena pública, política e cultural brasileira até a década de 1970, mas também  porque o documento sintetizava um amplo debate e muitas proposições sobre um projeto educacional para o Brasil.

No Manifesto de 1932 há uma defesa enfática da escola pública, laica, gratuita, obrigatória, a  ser frequentada por meninas e meninos, ao mesmo tempo e nos mesmos espaços; comparece a defesa de uma articulação de um sistema nacional de educação e da superação da educação dualista, ou seja, de uma escola para pobres e outra para ricos; defende-se a necessidade de valorização das profissionais da educação, valorização esta que não se prende apenas ao direito a uma formação de qualidade, mas também a condições de trabalho, carreira e salário dignos.

Não resta dúvida, hoje, que precisamos reconstruir a educação pública brasileira. Depois de seis anos sob ataques sistemáticos das forças conservadoras e  da destruição imposta pelo atual governo federal, no que é coadjuvado por muitos governos estaduais e municipais, a escola pública brasileira precisará, em um próximo Governo de Reconstrução Nacional, de uma atenção especial.

Como já se disse aqui, a escola pública é a mais republicana, inclusiva e capilar de nossas instituições públicas. É uma ampla rede de proteção, cuidado, assistência e instrução, formada por mais de 150 mil unidades e que acolhe mais de 40 milhões de crianças, adolescentes e jovens. A escola pública é local de trabalho de mais de 4 milhões de trabalhadoras/es e mobiliza uma expressiva parte da população brasileira todos os dias e movimenta parte importante do PIB nacional.

Mas, dentre as grandes questões que se colocam, hoje, está: por onde começar a reconstrução nacional da educação? São muitos variados os pontos de vista sobre o tema,  justamente porque em torno da educação mobilizam-se sujeitos e interesses muito variados, os quais nem sempre estão em sintonia com o bem público. Nunca é demais lembrar que uma das razões do Golpe e da pavimentação da eleição de um miliciano para a Presidência em 2018 foi a intenção de apropriação privada sobre o orçamento público, no qual a educação representa uma enorme fatia.

Reconstruir a educação pública hoje, não resta dúvida, significa garantir um financiamento decente e suficiente para que a escola pública, por meio das profissionais que nela atuam, possam dignamente receber a população infanto-juvenil que  a ela se dirige. Neste sentido, retomar a proposta de 10% do PIB para a educação é imperativo. Sem recursos suficientes, já dizia Anísio Teixeira, um dos signatários do Manifesto de 1932, é impossível fazer uma escola de qualidade para todas e para todos. E que esses recursos sejam tão somente dirigidos ao que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a lei do Fundeb, e devidamente fiscalizados .

Não se faz educação pública de qualidade se não houver, de fato, uma valorização dos profissionais da educação. Não se trata, mais uma vez, de entender tal valorização nos estreitos limites da garantia do direito à formação. O que falta ao Brasil são carreiras decentes, condições de trabalho dignas e salários à altura da importância do trabalho realizado e da garantia de uma vida digna para as professoras e suas famílias. Se tal não ocorrer, baldados serão os “planos nacionais de formação docente” e outras iniciativas das quais a nossa história está abarrotada.

Um programa de reconstrução da educação nacional não pode, todavia, ser conduzido e executado de forma fragmentada e desarticulada. Tem que envolver todas as dimensões e etapas da educação escolar brasileira e todos os entes federados numa mesma direção. Para isso, urge reestabelecer um  Plano Nacional de Educação e  construir, de fato,  o Sistema Nacional de Educação. Estas são as únicas formas de estabelecermos prioridades pública e coletivamente definidas e, mais ainda, de zelar para que os recursos sejam a elas dirigidos.

Finalmente, para garantir que o MEC assuma, com dignidade e maestria, a sua competência de articulador nacional da educação, é preciso que a pessoa que venha a assumir o Ministério conheça o sistema, sobretudo a sua face mais dinâmica, abrangente e complexa: a educação básica. No Brasil, seria inimaginável uma pedagogia assumir o ministério da economia, mas parece razoável que um economista dirija o MEC, ainda que jamais tenha passado perto de uma escola ou tenha escrito uma linha sobre o tema. Num país em que mais de 90% do corpo docente é feminino, está mais do que na hora de acreditarmos serem as professoras, que conhecem o chão da escola e as teorias da educação, as melhores gestoras desse bem público e coletivo que é a nossa escola.  A educação é um direito juridicamente protegido e, como tal, deve merecer o respeito dos governantes como política de Estado.


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