O (re) abrir-se das escolas

Patrícia Gonçalves Nery 

Ana Paula Braz Maletta

Repartir palavras e recolhê-las com delicadeza e sensibilidade, possibilitando que as vozes ganhem dimensões espaço/temporal amplas e políticas foi o exercício que fizemos durante um encontro, entre professoras e alunas, marcado por emoções expressas pelo corpo, pelo rosto, pela voz, pelo olhar de cada uma. O tema da (re) abertura das escolas em Belo Horizonte, para as crianças do ensino fundamental, suscitou várias reflexões entre as participantes do grupo. Os sentimentos de indignação, incômodo, impotência e, ao mesmo tempo, de entusiasmo e esperanças foram se materializando nas falas e depois em palavras escritas, tecidas uma a uma, coletivamente. Escrever é imprimir a vivência.

O tema fez-nos pensar e indagar questões prementes que nos envolvem enquanto mulheres, professoras e pesquisadoras: tudo o que foi feito por nós e muitas outras de nós para darmos conta de atender às crianças, às famílias, às coordenações e às secretarias de educação municipais e estaduais. Os possíveis e os impossíveis, os brados e os silenciamentos e ainda o enfrentamento da invisibilização e da caricaturarização das ações docentes em meio à sociedade. Neste contexto de retorno presencial às escolas, os receios e as ansiedades provocados pelo medo do vírus, pelas dificuldades impostas por 1 ano e 3 meses de distanciamento físico se intensificaram. Soma-se a esses sentimentos e angústias outros que dizem respeito ao enfrentamento de uma nova realidade, na qual crianças, sedentas de convívio, de abraços e de toda afetividade terão que estar a 2 metros de distância umas das outras. 

Não sofremos sós! A negligência com a infância escancara-se diante de nós nestes contextos pandêmicos. Onde e como estão as crianças? O que dizer de seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos desde o seu existir intrauterino (ECA, 1990)? O que dizer das crianças cujos anos escolares da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental se deram exclusivamente pelas telas, pelas instruções online, oferecidas remotamente? E daquelas para quem o brincar encontrou-se cada vez mais privado de contatos físicos?  E das crianças drenadas para o mundo do trabalho por um sistema capitalista embrutecedor, no qual seu “sobreviver-viver” se sobrepõe?

Entender as várias facetas da infância exige-nos questionar e exteriorizar, de modo pormenorizado, as inquietudes do contexto infantil diante do adultocentrismo que marca a sociedade brasileira. Do mesmo modo, reconhecer as crianças como protagonistas da própria infância impõe-se como urgente para que possamos compreender melhor a dimensão das condições sobre o que é ser criança, em diferentes espaços e territórios, no meio de uma pandemia.

Não será fácil, perpassar esse contexto pós pandêmico, desafiador e novo sem mudar nosso olhar, nossa escuta, sobretudo, com relação às crianças, à natureza e à própria educação. Nesse sentido, esses novos tempos/espaços exige-nos desconstruir alguns tabus para que seja possível aproximarmos das crianças e lidarmos com os sentimentos e as emoções que envolvem suas inseguranças, seus medos, seus receios, seus lutos, e suas dores. Ouvir o que as crianças pensam é reconhecê-las como interlocutoras importantes e tal escuta é essencial neste momento. Compreender o que sentem, o que acham e como compreendem esses mundos enredados pode constituir-se em matéria prima para os reencontros presenciais. 

A possibilidade de voltar logo para o parquinho, para sala de aula, para a conversa com os coleguinhas, para o abraço da professora desenha-se para nós como uma grande esperança.  Segundo Freire, (2000, p. 11), “[…] enquanto necessidade ontológica, a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim espera vã”. 

É nesse sentido que esperamos que o (re) abrir-se das escolas seja um movimento de abertura para as crianças, os jovens e os adultos que retornam, aos poucos, às escolas e que ao mesmo tempo signifique um mover-se para dentro, no sentido da (re) construção coletiva de uma educação comprometida com o bem-estar físico e social desses sujeitos,  de uma reconfiguração aberta ao contínuo diálogo e movimento, capaz de criar contextos e oportunidades mais acolhedoras, humanizadas e sensíveis para todos.

Este texto foi escrito de modo colaborativo, com a participação das alunas da disciplina Infância, Sociedade e Educação, do Programa de Mestrado em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG, unidade Belo Horizonte: Bruna Silva, Charlene Lima, Cláudia Oliveira, Laelma Barros, Leonice Lopes, Márcia dos Santos, Natália Mesquita e Tatiane Xavier.

 

Para saber mais: 

BRASIL. Lei nº 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF, 1990.  

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra, 2000.


Imagem de destaque: Dênio Simões / Agência Brasília

 

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