O potencial educativo do amor

Ivangilda Bispo dos Santos

O ano de 2022 marca o aniversário de 60 anos da Escola Estadual Celmar Botelho Duarte, localizada em Belo Horizonte. Entre as iniciativas realizadas neste ano tão especial, o projeto Sentimentos, proposto pela professora de geografia Magali Matos Leite, possibilitou um trabalho transdisciplinar sobre reconhecer os sentimentos a partir do diálogo e da realização de atividades. O amor foi o tema que mais me cativou a trabalhar nas aulas de História por ser ele uma das motivações para a reconfiguração de muitas relações familiares, comunitárias, políticas e econômicas ao longo do tempo. Afinal, o amor é uma construção social e histórica e manifesta-se de formas variadas em cada contexto.

A monja Jetsunma Tenzin Palmo diz que o amor envolve desejarmos a felicidade da outra pessoa. Esse ato, segundo o filósofo brasileiro Renato Nogueira, requer cultivarmos o cuidado e a valorização do outro, refazer acordos e lidar com outros sentimentos, como o ciúme e a raiva.

A filósofa burquinense Sobonfu Somé defende que o amor é uma emoção coletiva e remete ao ato de apoiar, escutar e conhecer a si e à pessoa amada. Nesse sentido, “amar é um percurso de intimidade”.

Por outro lado, o amor contribui para manter a espécie humana viva, construir famílias e tecer comunidades, na medida em que pode estar vinculado à reprodução e ao cuidado dos descendentes. Conforme afirma Nogueira em seu livro “Por que amamos”, o amor permite o compartilhamento de experiências e a construção de um projeto para o futuro. Não deve ser “da ordem da posse, mas da troca”.

bell hooks, por sua vez, tem o amor como ação, como potência para a construção de uma sociedade amorosa e como algo que dá trabalho. Essa professora afirma que “Nós aprendemos sobre o amor na infância. Seja nosso lar feliz ou problemático, nossa família funcional ou disfuncional, é essa a primeira escola do amor”. Nem todos os adultos sabem dar e receber amor, e isso pode impactar negativamente as crianças. Para hooks, “Cuidado e apoio, o oposto do abuso e da humilhação, são as bases do amor”. Assim, ela faz a defesa de uma criação amorosa, da disciplina sem punições severas e da responsabilidade dos adultos de respeitarem as crianças, garantir-lhes os direitos e orientá-las sobre as formas de amar. Em seu livro “Tudo sobre o amor” (2021), além das famílias, o outro ambiente em que as crianças podem experimentar esse sentimento é na comunidade e por meio de amizade.

Chimamanda Adichie, no livro “Notas sobre o Luto” (2021), expõe sobre a morte de seu pai durante a pandemia da covid-19 e apresenta a seguinte questão sobre a perda das pessoas queridas: “Será que o amor traz, nem que seja de forma inconsciente, a arrogância ilusória de achar que nunca vamos ser tocados pela dor?” Chimamanda diz que a dor da perda tenta encolher seu amor para deixá-lo no passado enquanto seu coração diz que “o amor é no presente”. De certa forma, a mortalidade nos faz lembrar de amar em vida. O amor-próprio, amar o próximo, amar a vida e viver com base em uma ética amorosa pressupõe, segundo bell hooks (2020), que todos têm o direito de viver bem e plenamente, “demonstrando cuidado, respeito, conhecimento, integridade e vontade de cooperar” (p.137). Essas atitudes impulsionam uma mudança positiva em nossas relações para agirmos “em favor daquilo em que acreditamos, para sermos responsáveis em palavras e ações”.

Segundo Adelson França Júnior (2022), “[…] partindo da boniteza que nos mobiliza a admiração pelo mundo e pelo outro e passando pela amorosidade que nos aproxima efetivamente da construção de uma experiência relacional com o outro, experimentamos a potencialidade do encontro […]. Reconheçamos este bê-á-bá como aprendizagem fundante de nossos processos educativos e humanizadores”.

Fundada em 1962 por Dona Paulina Bastos, a E. E. Celmar Botelho Duarte foi mantida graças ao esforço de educadores, alunos, pais e outros responsáveis. A partir do empréstimo de um imóvel para o desenvolvimento das aulas, todos se mobilizaram em busca de instalações escolares adequadas, fazendo, inclusive, protestos em espaços públicos. De certa forma, a trajetória dessa escola revela o caráter coletivo do amor, pois o amor pertencente à constituição da comunidade escolar visa a uma educação inclusiva, justa, democrática e dá meios para o bem-querer de seus estudantes.

A construção de uma experiência e de uma prática docente ética, baseadas na amorosidade, dá-nos alguns caminhos para consolidar uma sociedade respeitosa, empática, responsável, carinhosa, que fortalece os valores humanos e desarticula o ódio, a violência e a indiferença.

Exercer o amor como um dos pilares da educação fortalece-nos para continuar a caminhada apesar dos desafios e de uma conjuntura profissional muitas vezes desgastante. Como afirma Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia (2010), temos o direito de amar, de expressar esse sentimento ao mundo e tê-lo como motivação para viver “a História como tempo de possibilidade”. Nesse sentido, para Freire (1987), “o amor é um ato de coragem”, é um ato dialógico.


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