O ideário de paulo freire e as forças destrutivas do capital

Valter Machado da Fonseca

Para se falar de Paulo Freire é preciso alguns requisitos fundamentais. É preciso amar a vida, acreditar nas utopias, na transformação, numa sociedade mais justa e igualitária. Do mesmo modo, é preciso ter dentro de si a esperança, a ousadia, a coragem de enfrentar as adversidades do dia a dia e as repentinas; é preciso, igualmente, acreditar na integridade, na beleza, e no poder de transformação dentro do ser humano, principalmente daqueles a quem a vida fecha as portas, dos “demitidos da vida”, dos “esfarrapados do mundo”

Portanto, não estão autorizados a falar sobre ele os opressores, aqueles que matam, que ceifam a vida de milhões de pessoas. Não estão autorizados os que reprimem, os sensores, os escravocratas, os ditadores, os fascistas. Não estão autorizados os que passam pela vida, simplesmente por passar, aqueles que esperam, acomodados, que as coisas caiam do céu. Do mesmo modo, não estão autorizados todos, que de uma forma ou de outra, são incapazes de amar. Para falar de Freire, antes de tudo, é preciso desarmar o coração para deixar falar a voz da emoção, a voz da esperança e deixar o coração abeto para receber a utopia. 

Freire combateu, intensamente, o sectarismo, pois, o mesmo castra a criatividade, defende a verdade absoluta, acredita nas coisas acabadas, prontas, definitivas. “O sectário só pode enxergar duas cores: o branco e o preto” é incapaz de perceber o restante das cores que compõem o espectro do arco íris. Com a mesma intensidade que combatia o sectarismo, defendia o radicalismo. Para ele “radical” fugia àquilo que os falsos profetas e charlatães preconizavam: aqueles que não se deixam mudar, que não se deixam convencer, que mesmo equivocados permanecem no erro. Pelo contrário, entendia o radicalismo em toda a extensão da palavra, ou seja, o que vem de raiz, do rizoma, que mantém suas origens, que defendem seu ponto de vista, mas, dispostos a mudar desde que convencidos. Este era Paulo Freire, um homem comprometido com um ideal, com a militância, com a luta transformadora. Comprometido com a vida, porque acreditava no ser humano, na sua capacidade de transformação, de aprendizagem. Acreditava no papel fundamental da educação, enquanto instrumento de transformação social e construção de um outro modelo de sociedade, onde o homem possa recuperar sua dignidade, sua condição eminentemente humana.

A obra de Freire tem por base a pedagogia crítico-educativa, tendo como eixo o homem enquanto sujeito inacabado, ela se expressa por uma educação militante, colada aos setores populares e aos marginalizados da sociedade capitalista, uma pedagogia libertadora. Isso, em última instância, contraria o modelo de educação proposto pelos opressores, os quais primam por uma educação sem arestas, que desconsidera as diferenças entre os sujeitos, as desigualdades sociais, as características próprias de cada indivíduo, enfim, afirmam supostamente iguais os diferentes.

A proposta de Paulo Freire também leva a marca da preocupação com o fator humano. Acima de tudo investiga o homem enquanto humano, portanto de interesse pela luta intensa contra a coisificação do homem. Desta forma ele procurava contextualizar o homem nos seus aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais. Isso fazia com que ele enxergasse a educação para além das fronteiras da sala de aula, fazia com que ele percebesse o homem enquanto sujeito histórico e transformador dentro do grande ambiente global, onde se edifica a sociedade dos tempos modernos.

Assim é preciso voltar ao homem Paulo Freire, não ao homem isolado, mas ligado à obra que construiu. Diante de sua proposta transformadora, ele talvez tenha sido o único educador a propor e a pesquisar sobre um modelo educacional, genuinamente brasileiro. Como cidadão do mundo, ele detestava as fronteiras, as cercas e a opressão. Procurou tirar de suas andanças aquilo que melhor se adequava ao povo marginalizado do Brasil, ao mesmo tempo em que difundia seu pensamento e suas ideias pelo mundo afora, derrubando fronteiras e desbravando o analfabetismo. A história da educação brasileira possui a marca contundente, da imitação de modelos educacionais dos EUA e dos países europeus. Esses modelos estão muito distantes da realidade brasileira.

Sua obra sintetiza o pensamento do conjunto de educadores comprometidos com a construção de uma escola que se paute pela realidade sofrida de nosso povo, o pensamento daqueles que conseguem enxergar a educação para além da escola tradicional, observando o horizonte nublado que se estende para o infinito. Por fim, Freire e sua obra (criador e criatura) sinalizam a possibilidade real de construção de uma educação emancipadora, capaz de colocar o homem a serviço do bem-estar da humanidade, capaz de construir uma nova escola, sobre os escombros da irracionalidade do racionalismo. Neste sentido, sua proposta educativa é antagônica ao campo do arbítrio, do autoritarismo, do fascismo, pois, ela se pauta como prática da autonomia e liberdade plenas dos educandos. 


Imagem de destaque: Paz & Terra

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