Não existe cidadão armado

Dalvit Greiner

A questão que se tem colocado nessa semana tem sido o papel das polícias militares – e das forças armadas – no próximo dia 7 de setembro. Após declarações e chamamentos de alguns oficiais a favor do presidente da República. De antemão, acredito que toda e qualquer pessoa armada perde a sua condição de cidadão e, portanto, perde a sua condição de viver na cidade. Com exceções.

Antes de mais nada, precisamos esclarecer que, em qualquer sociedade e em qualquer tempo e situação, quem produz riqueza e conhecimento são os trabalhadores. Religiosos, governantes e militares juntam-se aos patrões. Nenhuma dessas categorias sociais produzem conhecimento ou riqueza: vivem de explorar ou servir aos trabalhadores. 

Religiosos vendem conforto espiritual. Essa é a sua função na sociedade. Na sua origem, religiosos não tem obrigações materiais para com os seus fiéis. Ou seja, não têm obrigações de retribuições em formas de bens materiais: água, comida, casa, bem-estar de uma forma geral, sejam quais forem eles. Porém, como não produzem sequer o seu próprio sustento, precisam do socorro de trabalhadores.

Religiosos também vendem terrenos no céu aos trabalhadores.

Governantes são pagos para reger o Estado. Mas, não devemos confundir o governante e o seu designado – funcionário do governo – com o Servidor Público que é funcionário do Estado. O governante é aquele (ou deveria ser) eleito pelo povo que lhe confere a autoridade necessária para a solução dos problemas da coletividade. Ou seja, as retribuições materiais coletivas são uma obrigação do governante e estão escritas na Constituição. Enquanto são governantes, também não produzem seu sustento e precisam do socorro de trabalhadores.

Governantes também compram votos dos trabalhadores.

Militares vendem segurança. Na sua origem, militares eram aqueles que garantiam a paz de um grupo contra outro para que pudessem produzir em paz. Mas, eram grupos que se estranhavam, eram estrangeiros, externos. Assim, podemos dizer que os militares surgiram para defender um povo de outro povo. Porém, militares não produzem segurança. Criamos a ilusão de que a segurança é uma produção mágica daqueles que têm armas e sabem manejá-las.  Assim, enquanto mantêm a segurança para que os trabalhadores produzam, os militares não produzem o seu sustento e precisam do socorro dos trabalhadores. 

Bandidos também vendem segurança. 

Mas, quando olhamos os dois primeiros – religiosos e governantes – podemos afirmar que são cidadãos, pois não faz sentido cumprir essa função fora da cidade. Precisam viver na cidade para exercerem suas funções. Bons ou maus, o seu sucesso dependerá da aquiescência, da autorização da cidade, dos trabalhadores que produzem e – espontaneamente ou por meio dos impostos – garantem o sustento desses dois grupos.

Quanto aos militares, a sua função só tem sentido para o exterior, fora da cidade. Não existe função para os militares na cidade. Para que nós possamos produzir riqueza e conhecimento em paz e tranquilidade devemos ter a certeza de que não seremos atacados por outros grupos. A função dos militares é fora da cidade, nos seus limites, impedindo que tudo de ruim que afeta a produção de riqueza e de conhecimento não chegue ou afete a cidade. 

Para que venha até a cidade, um militar deve deixar, lá fora, as suas armas.

Por outro lado, o que conhecemos como polícia militar não tem e não faz sentido numa sociedade democrática. Nossas polícias militares sequer deveriam existir. Nossas polícias militares são miniexércitos, armados até os dentes, cujo inimigo é apenas a população negra da periferia. Por estarem armados, não é possível considerar um policial como um cidadão, pois a arma do cidadão é a palavra, não o cano do revólver.

Uma sociedade democrática é constituída de cidadãos e cidadãos não andam armados. 

Quanto aos patrões, exploram o máximo que podem, na medida em que são incapazes de produzir riqueza, mas detêm os meios de produção. Além dos meios de produção controlam o Estado e, invariavelmente, os religiosos, governantes e militares.

 

Para saber mais: 

HOBBES, Thomas. Da liberdade dos súditos, in: Leviatã. Clube dos Autores, 2020.


Imagem de destaque: Fernando Frazão

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