Minhas fases nada fáceis

Daiane dos Santos Souza Albuquerque 

Segundo relatos de minha mãe, eu tinha 6 anos de idade quando ela me levou pela primeira vez à escola para fazer o Jardim, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Maximiano Rodrigues, localizada na cidade de Abaetetuba-PA. Minha mãe conta que meu uniforme era uma saia preta, blusa na cor azul claro com gola e detalhe na manga na cor preta, tênis conga também na cor preta com meias brancas e o meu material escolar era um caderno pequeno, outro de desenho, lápis e borracha, caixa pequena de lápis de cor, num saco plástico, desses de supermercado mesmo. O nome da minha professora era Ana Maria. Quando minha mãe me levou pela primeira vez, fomos conversando enquanto íamos caminhando, e ela me dizia para ficar comportada, não brigar com os coleguinhas e obedecer a professora e que ela voltaria para me buscar. Quando chegamos ela me entregou para a professora: eu não chorei, estava calma. Como sempre fui muito curiosa, entrei logo na sala. Tudo isto a minha mãe me contou. 

depois que completei 10 anos de idade é que definitivamente iniciei a primeira série do ensino fundamental, pois minha idade já não permitia estudar no jardim de infância. Nesse período, minha mãe Maria Aíla matriculou meus irmãos e eu na mesma escola e no mesmo horário, pela manhã, para irmos juntos e vigiarmos uns aos outros. Até na hora do recreio nos encontrávamos para pegar uma imensa fila que era separada com as meninas de um lado e meninos de outro, mas na mesma cantina. Lembro também que cada um tinha o seu copo e uma colher de plástico que levávamos dentro de uma sacola de plástico. Devido a não termos casa própria sempre estávamos nos mudando e isso interferia nos estudos, prejudicando nossa aprendizagem, pois às vezes ao iniciarmos o ano letivo logo nos mudávamos para outro bairro. A escola ficava cada vez mais distante da nossa realidade; minha mãe só nos levava no primeiro dia para sabermos onde ficava a escola, conhecer a sala e a professora. 

Mesmo com esta idade, eu ainda não sabia ler nem escrever. Sentia muita vergonha, mas me esforçava muito para aprender; lembro também que eu tinha uma professora chamada Normélia que era alta, forte, cabelos curtos bem enroladinhos. Às vezes ela usava uma tiara de bolinhas brancas brilhantes, brincos de argolas, lábios pintados de uma cor escura e sempre com as unhas compridas e pintadas na cor vermelha. Eu amava essa professora e eu sempre terminava as atividades primeiro que os outros colegas da minha sala. Mas porque comecei a estudar tão “tarde”? Porque vim de uma família muito humilde: com apenas 3 irmãos homens e só eu de filha, meu pai José Araújo trabalhava como operador de máquinas pesadas em uma empresa que ficava em outra cidade, mas dava para ir e voltar todos os dias de ônibus. 

Meus pais sempre trabalharam muito para nos sustentar, mas eles não exigiam que estudássemos. Quando ficávamos doentes não precisávamos ir para a escola, até mesmo se estivesse chovendo. A escola? Ficava bem longe e, se um dos irmãos não queria ir, o outro também não ia, e assim ficávamos em casa. Eu ficava muito triste porque sempre gostei de estudar e desde pequena eu queria ser professora de criança; eu até brincava de escolinha com meus irmãos. Quando não nos mudávamos, repetíamos o ano por excesso de faltas ou por indisciplina mesmo, pois estudar não era prioridade. 

Minha mãe teve meu irmão mais novo Jonatas e eu a auxiliava em tudo até que ela e o meu pai compraram um carrinho de mão, daqueles de vender lanches, e adaptaram para vender tapioca. Então passaram a sair de casa às 04:00 da manhã para irem ao terminal, na época chamado de Araparí, e só chegavam depois que vendiam tudo para poder comprar comida e ainda fazer almoço. Eu passei a cuidar do meu irmão bebê; assim, precisei parar de estudar. Nessa época minha mãe nos matriculou na escola à tarde, para que quando eles chegassem do trabalho pudéssemos ir para escola, mas nem sempre era possível, pois eles chegavam depois do horário do início da aula. Às vezes eu ia correndo, mas mesmo assim quando eu chegava o portão já estava fechado e eu voltava para casa muito triste.

Meu pai e minha mãe começaram a comprar redes para revender e passaram a sair pelas ruas da cidade em um carrinho de mão vendendo-as em uma praça ao lado de uma igreja católica que fica no Centro de Abaetetuba-PA, local bem longe de onde morávamos. Mais um ano letivo se foi e meus irmãos Jonatas e Daniel passaram a ajudar meus pais com as vendas e, por um bom tempo, eu passei a assumir a rotina de casa além de cuidar dos meus dois irmãos bebês. Nesse período já tínhamos nos mudado de endereço inúmeras vezes. 

Minha mãe já havia nos matriculado de novo, na mesma série e no mesmo horário, mas quando eu conseguia ir para a escola, já chegava muito cansada da rotina e mal conseguia me concentrar, pois estávamos morando em um bairro ainda mais longe da escola. Retomando o que afirmei no início deste escrito, o tempo passou e quando eu já tinha 10 anos de idade, iniciei a primeira série e nunca mais parei; mesmo cansada, quando meus irmãos não iam, eu ia sozinha. Lembro que quando realmente aprendi a ler e escrever eu já tinha uns 13 anos de idade e quando completei 15 anos de idade eu passei para a 5ª Série. 

Em 2011, concluí o ensino médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Agropalma, no Município de Tailândia, onde eu morava com minha família. Desde então comecei a fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em 2020 vim morar em Camboriú-SC: foi quando consegui vaga no ensino superior através do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) em 23º lugar para cursar Licenciatura em Pedagogia no Instituto Federal Catarinense – Campus Camboriú. Há 10 anos eu vinha tentando ingressar em uma instituição federal no Estado do Pará, onde nasci. A escola para mim sempre foi muito importante. Foi onde eu aprendi que o estudo é o melhor meio para se conquistar os objetivos na vida, como, por exemplo, ter uma profissão. 

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Texto escrito inicialmente como atividade avaliativa da disciplina História da Educação, do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú, ministrada pela Profa. Dra. Marilândes Mól Ribeiro de Melo.  


Imagem de destaque: Pxhere

 

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