Marxismo e educação para a cidadania (Parte I)

Antonio Carlos Will Ludwig

Há quem diga que a proposta de exercício da cidadania conforme defende o marxismo permite enquadrá-lo como uma modalidade do comunitarismo. Apesar de ambas as concepções serem próximas particularmente no que diz respeito às ações cooperativas e solidárias, consideramos não ser possível aceitar este enquadramento porque ambos se mostram totalmente diferentes num aspecto substancial. Os seguidores do comunitarismo almejam a manutenção do  equilíbrio e da estabilidade social enquanto que o marxismo tem a pretensão de provocar alterações radicais na vida em sociedade além das modificações conjunturais.

Em um dos principais textos do marxismo, o Manifesto do Partido Comunista  esta pretensão aparece claramente. Nele, Marx e Engels asseveraram que o objetivo imediato dos comunistas é o mesmo de todos os partidos proletários: formação do proletariado em classe, liquidação do domínio da burguesia, conquista do poder político pelo proletariado. A esse respeito, é importante destacar que a partir de um determinado momento da história, ou seja, após a derrocada da Comuna de Paris, Engels na obra As Lutas de Classes na França afirmou que o combate nas barricadas que até 1848 fora decisivo em toda parte estava consideravelmente ultrapassado. Disse também que passou o tempo dos golpes de surpresa, das revoluções executadas por pequenas minorias conscientes à frente das massas inconscientes.  Isto significa que a implantação de mudanças no âmbito social não mais deveria ser feita por meios violentos. 

Dois motivos relevantes provocaram essa mudança de postura. Um deles foram os recursos disponibilizados à burguesia decorrentes da evolução do capitalismo. Tal avanço proporcionou a ela instaurar a imposição do poder via aprimoramento do aparelho estatal e introdução de novos modos de repressão e coerção. A esse respeito Engels  mencionou  a corporação militar que passou a dispor de canhões e de tropas de engenharia inteiramente equipadas e treinadas, meio de combate que quase sempre faltam de todo aos insurgentes.  Aliado a esta ocorrência tem-se o controle do Estado burguês dos meios de dominação ideológica, ou seja, os aparelhos ideológico do Estado posteriormente descritos por  Althusser, que são bastante eficientes para incutir uma consciência burguesa nos integrantes das demais classes e camadas sociais, a qual é totalmente avessa a movimentos revolucionários.

O segundo motivo foi a presença da democracia representativa que tornou possível a introdução de novas formas de luta. Segundo Engels o Manifesto proclamou claramente a conquista do sufrágio universal da democracia como uma das primeiras e mais importantes tarefas do proletariado militante. Além do voto, Engels e Marx também valorizaram os partidos. Com efeito,  disseram que os comunistas de toda a parte trabalham para a aliança e o entendimento dos partidos democráticos de todos os países. 

A esse respeito Engels  mencionou a presença dos filiados da social-democracia na Alemanha que cresceu vertiginosamente durante seguidos anos e obteve crescentes dividendos políticos. Os partidos de esquerda de então foram capazes de promover agitações eleitorais favoráveis ao contato com as massas populares, principalmente aquelas que se encontravam distantes do jogo político e obrigaram os integrantes de outros partidos a se defenderem perante o povo dos ataques feitos pelos socialistas. Membros da classe operária passaram a ocupar postos em instâncias  estatais dominadas pela burguesia tais como os conselhos municipais e as juntas de trabalho. Ressaltou também que  em várias nações ocorreu o triunfo dos partidos progressistas, dentre os quais citou a França, a Bélgica, a Suíça, a Itália, a Dinamarca, a Áustria e a Romênia.

Marx também concedeu destaque aos processos eletivos. Em meados do século dezenove os constituintes franceses se mostravam favoráveis ao sufrágio universal. Frente a este fato ele asseverou que este sufrágio inclina-se a diminuir significativamente as garantias políticas do poder burguês. Segundo ele, encerra o domínio político da burguesia nos limites de algumas condições democráticas que a todo momento são um fator para a vitória das classes inimigas e põem em perigo os próprios fundamentos da sociedade burguesa.

O apreço a este processo apareceu notoriamente em seus comentários sobre a Comuna de Paris que era constituída por conselheiros municipais selecionados pelo voto nos diversos distritos da cidade e se mostrava como uma genuína forma de governo da classe operária. Marx apontou como uma peculiaridade relevante desta instância administrativa a diretriz de mudar periodicamente seus integrantes bem como expressou seu apreço ao dizer que o sufrágio universal deveria servir ao povo organizado em comunas.

Parece claro que estas colocações feitas por Engels e Marx a favor das eleições, do voto e do partido possibilitam inferir que eles os valorizaram porque tornaram concretas a aspiração e a capacidade do povo de nortear as decisões governamentais em consonância ao discurso de que a democracia não só é mas tem que ser realmente o governo do povo, pelo povo e para o povo ou o genuíno governo da soberania popular. Note-se entretanto que a situação política de então era bem diferente da atual porquanto nos dias que correm encontra-se em expansão e aprofundamento uma notória crise de representatividade. Embora não existissem ainda na época em que viveram, os mecanismos da democracia direta referentes à destituição de governantes e os projetos de iniciativa popular certamente seriam imediatamente aprovados por ambos, uma vez que conferem mais poder aos cidadãos comuns.


Imagem de detaque: Jess S / Flickr

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