Heróis, mas nem tanto

Gustavo Neves

Manchetes de jornais publicam boas novas a respeito do “fim da pandemia” por Covid19. Marcada pelo isolamento social, dificuldades econômicas, tropeços sanitários e outras tantas desventuras que se avolumam ao passar do tempo. É fato que estamos todos exaustos e, portanto, se não o fim, os números positivos sinalizam ao menos uma trégua. Governo federal, estados e municípios comemoram quantidade de vacinados, queda significativa nas internações hospitalares e uma redução expressiva na quantidade de óbitos decorrentes da contaminação pelo novo Coronavírus. Por outro lado, questões sociais atravessam o pensamento do cidadão. No momento mais crítico deste período, reclusos e reflexivos, fazíamos promessas de que, uma vez debelada a pandemia, habitaríamos uma sociedade mais justa, cordial, humana e confiante na ciência. 

O amigo leitor há de concordar que não é necessariamente isso o que estamos assistindo. Conflitos internacionais se acirraram, impactando ainda mais a taxa de inflação, corroendo o poder de compra, limitando de forma imediata e muito agressiva o padrão de vida da classe trabalhadora. Acelerando uma curva ascendente de preços sem precedentes. O retorno aos tempos de fome e desordem econômica, somados ao sombrio período de isolamento, nos transportou diretamente para um ambiente estranho. Não digo inédito, mas certamente mais agudo.  

No dia 19 de abril de 2022, um jornal de grande circulação publicou em seu Instagram uma imagem com a seguinte manchete: “GREVE ACABA, E TESTES MOSTRAM QUEDA NO APRENDIZADO DOS ALUNOS”. O texto fazia parecer que o declínio dos indicadores no estado era derivado do recém iniciado movimento grevista encabeçado pelos professores que pediam, entre outras coisas, o cumprimento da lei no pagamento do Piso Nacional da Educação, de acordo com a constituição estadual, sem relativizações. A greve se estendeu por mais de 30 dias, não por má vontade dos professores (todos cientes da calamidade instalada na pasta), mas por resistência do poder executivo estadual em reconhecer suas falhas.

Como professor, já imaginava os desafios que se avizinhavam. A queda nos indicadores educacionais não seriam uma novidade. No máximo, uma constatação. Aproveitando o gancho e já pedindo perdão pelo inconveniente, o convido a comparar a educação pública de Minas Gerais a um paciente. Antes da pandemia, a educação não agonizava como agora, mas já se encontrava em estado crítico. Embora os dados oficiais insistam numa série de artifícios que virtualmente nos apresenta em condições razoáveis frente ao restante do país, efetivamente não existe mérito em ser ruim quando comparado ao ainda pior. 

Uma porção significativa dos alunos se formou (ou foi formada por determinação da Secretaria de Educação) ainda no período de isolamento, sem aulas presenciais e sem o mínimo contato com as vivências e conteúdos que, em tese, deveriam ter sido experimentados no ensino médio. Estou de acordo que aquele era um momento singular e as engrenagens do sistema educacional não suportariam o “inchaço” do represamento de alunos aguardando o fim da pandemia. Mas antes que alguém tente minimizar o que se passou, estamos todos agora diante de um hiato. Os estudantes inseridos no sistema escolar pós-pandêmico passaram quase dois anos sem estudar de modo consistente, pouco leram, pouco produziram, quase sem estímulos e sem nenhuma perspectiva. É evidente que os alunos, especialmente os mais jovens, não podem ser responsabilizados. Tão pouco seria justo culpabilizar as famílias, visto que todos estavam preocupados em sobreviver e, de fato, como muitos pais perceberam, ensinar dá muito trabalho! 

Surpresa maior, surge a necessidade e urgência em se apontar um responsável pelo grave momento da educação vivida no estado. E pior, a tendência de se culpar o legítimo movimento dos trabalhadores em educação pelo insucesso da política educacional em vigor. Como relatado anteriormente, é verdadeiro que alcançamos um patamar solapado, mas é no mínimo cínico sugerir que pouco mais de 30 dias de paralisação de atividades nos trouxeram ao momento em que estamos. É ignorar o prazo alongado da pandemia e, portanto, das aulas não presenciais. E, mais que isso, é romantizar o momento anterior ao lapso causado pela situação sanitária emergencial. A questão salarial não foi resolvida ainda, caminha rumo ao judiciário. Deixando, até que se resolva, um gosto amargo na boca dos docentes, uma certa revolta que habita nos termos. 

Durante a pandemia, policiais, (segurança pública), médicos (servidores da saúde) e professores (trabalhadores em educação) foram chamados de heróis, de amigos insubstituíveis da sociedade, de peças fundamentais do desenvolvimento. Todo este reconhecimento ficou apenas no discurso. Na base de tapinhas nas costas. Siga adiante, guerreiro! Mas não conte com apoio financeiro e nem com o verdadeiro reconhecimento social. Ao final, afirmo, não saímos melhores da pandemia. Uma pena.


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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