Estranhamento e consternação: sentimentos que perpassam a nação brasileira – exclusivo

Irlen Antônio Goncalves

O cenário político atual é preocupante e, por isso, merecedor de reflexões e tomada de consciência sobre o futuro da liberdade, construída ao longo do tempo histórico. Sinais de rupturas da democracia encontram-se incandescentes nos discursos e nas ações daqueles que querem romper com o já conquistado.

Grupos organizados têm investido num discurso que acirra uma queda de braços com o governo estabelecido e legitimado pelo voto popular, com vistas à tomada do poder. Corrobora com essa situação outros grupos descontentes e não privilegiados com as políticas implementadas por um governo comprometido com a classe trabalhadora e com o povo mais simples da sociedade brasileira. Acrescenta-se, nesse movimento, um seguimento de uma mídia tendenciosa que partidariza as informações beneficiando aos incautos interesses daqueles que querem abocanhar, a todo custo, o poder de governar.

Situação inusitada, escandalosa e geradora de perplexidade ocorreu no domingo, dia 17 de abril, quando esteve reunido no palco do Congresso Nacional os deputados, representantes do povo, para decidir sobre uma falseada continuidade do impeachment da presidenta da República, como de fato ocorreu. A perplexidade maior, diga-se de passagem, não foi tanto a aprovação de tal continuidade, mas o comportamento, visível pelas manifestações corporais, verbais, dos deputados, mediante uma situação de tamanha gravidade e de maior interesse para a nação, uma vez que a colocava e a coloca numa situação de crise política e de instabilidade de governar. O que se viu, de fato, foi muito mais um espetáculo dos políticos se aproveitando da oportunidade de aparecer em cadeia nacional de televisão, demonstrando o tipo de seriedade que se estava dando àquele momento. Não foi sem sentido o sentimento de estranhamento e consternação da população, deixando a todos e a todas estupefatos (as) com os oportunismos de se falar em nome do pai, da mãe, da mulher, do marido, do filho/filha, do povo, de Deus e etc. Naquele momento, uma pergunta, dentre outras, não se calou: será que esse espetáculo vai nos ensinar como se deve escolher os representantes do povo?

Estranhamento também a postura do vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão que, após assumir a presidência, cancelou a sessão da Câmara que autorizou a abertura do impeachment, no dia 9 de maio e, na manhã do dia seguinte, voltou atrás revogando o seu próprio ato. Estranheza e perplexidade!

Na continuidade do processo, já com os votos favoráveis contados e já conhecidos, o Senado Federal, nos dias 11 e 12 de maio, com toda exposição à mídia nacional, mas com um tom de refinamento discursivo, encerrou o espetaculoso evento aprovando a abertura processual do tramado impeachment.

Mediante tal situação, quais são os riscos que estão sinalizados para a democracia brasileira nessa situação episódica? Quais lições podem ser tiradas dessa complexa trama de tomada de poder? Que papel tem a educação e os educadores com a crise da democracia?

Deveras, não são perguntas fáceis de serem respondidas num curto espaço de tempo ou num texto ensaístico como esse. E não será aqui o lugar de produção das respostas. O que queremos é levantar algumas reflexões, ainda que se corra o risco de precipitação e de simplificação. Em primeiro lugar, é bom que recordemos que a nossa história de país livre está cheia de experiências de golpes, sejam civis ou militares. Dentro do período republicano, por exemplo, temos a considerar vários golpes, a partir da própria proclamação da República. Essa que foi, na consideração de alguns historiados, uma articulação entre os descontes da monarquia e os militares. E tal articulação tinha, de fato, a preocupação de construir uma nação ou simplesmente trocar de governo?

E a chamada revolução de 1930? Um movimento armado que reuniu a liderança insatisfeita com os resultados das eleições presidenciais do mesmo ano. O problema foi resolvido com a deposição do presidente vigente e o impedimento daquele que foi eleito. Getúlio Vargas, candidato que havia perdido a eleição, foi empossado presidente da República, e com o apoio dos militares.

O golpe dos militares de 1964, foi mais uma trama contra a democracia, a liberdade de escolha, pela via eleitoral. Participaram dele vários setores da sociedade, dentre os quais se destacam: parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja Católica, dos governadores de estados, da classe média. Todos uníssonos no estimulo da intervenção militar, de maneira a frear a ameaça de “esquerdistas” em plena atuação.

Não muito diferente o que se sucedera em nossa história, agora, nesse tempo presente. O golpe foi capitaneado por uma elite política descontente com os resultados eleitorais de 2014 e a participação efetiva de uma classe média também descontente e de uma mídia oportunista e partidária.

Assim, pensando no que acreditamos, pelo menos algumas perguntas se agudizam: para onde vamos caminhar? Será que uma cultura política “do levar vantagens em tudo” se sedimentou na consciência daqueles que ocupam o espaço do poder? O que vamos ensinar para as novas gerações?

Estranhamentos e consternação são os sentimentos daqueles e daquelas que acreditaram e acreditam numa nação, onde os princípios da dignidade, da liberdade, da fraternidade e da democracia devem presidir.

A questão preocupante e geradora de estranheza e consternação é, sobretudo, com a legitimidade do voto que me parece estar em risco. Não caberia ao próprio povo na sua ação de consciência de escolha do governante operar o julgamento do mesmo governo que escolheu livremente?

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