Educação domiciliar: caminho e verdade. E a vida?

Raquel Melilo

Renata Fernandes Maia de Andrade

A imagem que ilustra esse artigo foi feita por uma criança de 11 anos da aldeia Pataxó de Carmésia, Minas Gerais. Nela, a escola ocupa um papel central. Espaço de aprendizagem, socialização e afeto. No atual cenário político brasileiro precisamos evidenciar um outro papel da escola: espaço seguro, garantidor e fiscalizador dos direitos da criança e do adolescente. 

Em 2019, 4.971 crianças e adolescentes foram mortas de forma violenta no Brasil. Essas informações estão disponíveis no 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Esses dados levam em conta a faixa etária de 0 a 19 anos, a mesma utilizada pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Esse número representa 10% do total de mortes violentas no país, que foi de 47.773.

Apesar de números tão absurdos, somente alguns casos pontuais geram comoção e ganham repercussão na mídia tradicional e, também, nas redes sociais. Estupros e mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes em nosso país são fenômenos absurdamente comuns. Mas o que chama a atenção é o perfil das vítimas, especialmente em relação à raça. As crianças e adolescentes negros representam 75% das mortes violentas intencionais no Brasil. De acordo com o Anuário, entre as vítimas de 0 a 9 anos, os principais tipos de crime são o homicídio e a lesão corporal seguida de morte. O cenário é alarmante e assustador.

Outro cenário catastrófico refere-se aos impactos da pandemia na educação brasileira. De acordo com dados do site do Senado entre os quase 56 milhões de estudantes matriculados na educação básica e superior no Brasil, 35% (19,5 milhões) tiveram as aulas suspensas devido à pandemia de Covid-19, enquanto que 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas. 

Segundo o senador Flávio Arns (Rede-PR), vice-presidente da Comissão de Educação, em uma live nas redes sociais “o grande número de brasileiros com aulas suspensas e a percepção de queda da qualidade do ensino comprovam que os impactos da pandemia na educação são severos e exigem medidas articuladas entre os sistemas de ensino no país.” O senador ainda destacou que “assim como a saúde e a economia, a educação também está sendo fortemente impactada pela pandemia. São milhões de brasileiros sem qualquer alternativa de ensino neste período […]”. Os dados do site do Senado afirmam que dos lares cujos estudantes estão tendo aulas remotas na rede pública, 26% não possuem internet. Já na rede privada, o percentual cai para 4%. Ainda segundo os resultados, o celular é o equipamento mais utilizado para acessar os materiais de estudo. 

Apesar desses dados estarrecedores sobre a violência e os impactos da pandemia na vida de crianças e jovens brasileiros, no dia 05 de março de 2021, Damares Alves – Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e Milton Ribeiro – Ministro da Educação – participaram da primeira reunião do ciclo de debates da PL 3179/2012. O projeto de lei visa regulamentar a educação domiciliar/ homeschooling. Qual o sentido dessa prioridade? Em plena pandemia onde milhões de estudantes estão com aulas suspensas. E as crianças que são assassinadas em casa pelos pais? Será mesmo que a família é o local mais seguro para elas? Onde estão o MEC e o Ministério dos Direitos Humanos para garantir a vida e acesso à educação pública e universal garantidos pela Constituição e Leis internacionais?

Vários absurdos foram ditos no encontro e chegou-se a relativizar o papel de socialização da escola. A Igreja, para uma ala religiosa mais radical, pode ocupar esse papel. (esqueceram-se de famílias que não manifestam nenhuma fé religiosa). Além disso, subvalorizaram a violência doméstica que atinge, de acordo com dados do próprio governo, milhares de crianças brasileiras: “A violência doméstica contra criança existe desde o tempo passado, quando não se falava em homeschooling. Não é o fato de ir à escola regular que livra a criança de violência doméstica. É um outro tema, um outro assunto”.  Essa fala do Ministro da Educação ignora um fato: professores normalmente são os primeiros a identificar e reportar as violências domésticas. Conselhos Tutelares são comunicados depois de um olhar sensível e atento dos professores. 

Terminamos o texto com a reflexão que está em Mateus 19:14 – Então disse Jesus: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas“. Se a necessidade de protegermos nossas crianças parte também de preceitos cristãos, como defender uma infância encarcerada em lares e igrejas? Como argumentar que estes locais carregam alguma similaridade com o reino prometido quando eles são geridos por homens corrompidos pela soberba? Pecado capital, a soberba parte da crença exagerada em si mesmo. Hoje, ela cega alguns dos homens que desenham caminhos para as crianças brasileiras. Caminhos únicos, verdades tortas e vidas ceifadas.   


Imagem de Destaque: Raquel Melilo e Renata Andrade. A imagem feita por uma criança de 11 anos da aldeia Pataxó de Carmésia, Minas Gerais.

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