Desigualdades

Wojciech Andrzej Kulesza

Não existe proposição mais evidente de que, apesar de sermos diferentes, somos todos iguais. Somos todos seres humanos. Somos todos iguais perante a lei, com os mesmos direitos e deveres. O protesto é imediato face a qualquer negação desta máxima: eu também sou filho de Deus. Revoluções, como a francesa, foram feitas tendo a igualdade como divisa. Do mesmo modo que a igualdade é acionada no caso de uma desigualdade flagrante, ela é brandida com veemência para justificá-la: o problema é seu!

Na realidade, apesar de ninguém negar essa máxima, desigualdades sociais de toda espécie povoam nosso cotidiano. Como dizia Santo Agostinho, nascemos todos iguais, entre fezes e urina, depois cada um que siga seu caminho. Qualquer que ele seja, fará parte de uma mesma natureza, a natureza humana. É ela que garante que o morto e homicida tenham algo em comum. Rousseau, que situava a origem da desigualdade entre os homens na vida social, diria que simplesmente disputavam o mesmo bem.

Na verdade, a desigualdade, ainda mais agora entre os brasileiros do nosso tempo, é a relação mais comum entre as pessoas. O esforço normalmente se dá no sentido de tentar manter essa desigualdade em níveis toleráveis, já que a tendência é que ela atinja cada vez maiores proporções. O sentimento de desigualdade, tal como o complexo de inferioridade, se realimenta com os fracassos que se sucedem nas batalhas por sua superação. Do ponto de vista psicológico, se sentir diminuído é se negar a si mesmo.

Um modo de acabar com a desigualdade é tentar fazer com que as pessoas compartilhem uma formação comum através de uma educação para todos. Historicamente, essa proposta tem sido apresentada como a solução do problema. Supostamente, uma educação comum deixaria todos com as mesmas condições para tomar decisões racionais e lhes disponibilizaria as mesmas oportunidades na vida. Os sistemas nacionais de educação pública foram construídos com esses pressupostos.

Todavia, o sistema educacional não acabou com as desigualdades. Se ele diminui algumas, estabiliza muitas e aumenta outras. Tudo depende da orientação seguida pelo governo ao formular sua política educacional. A luta é renhida, porque a supressão da desigualdade significa normalmente a abolição de privilégios. O modo competitivo de operar adotado pela gestão escolar naturaliza as desigualdades, criando empecilhos para que se instaure nas salas de aula um clima de solidariedade entre os estudantes.

Como diriam Maturana e Varela, para que um grupo de seres vivos evolua é preciso que se instaure o amor entre seus integrantes por meio da aceitação mútua de suas diferenças. Ou seja, somente quando houver consciência de que a supressão das desigualdades representa um progresso, tanto do grupo, como de seus componentes individuais, funcionará plenamente a proposta educativa. Vemos assim que o problema da desigualdade exige soluções radicais, mexendo com a própria vida das pessoas.

Esse processo de conscientização é favorecido pelo reconhecimento de que há uma interdependência entre as pessoas que vivem em sociedade. Todos dependem de todos. Isso ficou claro durante a recente pandemia, que rompeu barreiras geográficas, socioeconômicas, linguísticas, contagiando potencialmente todo o mundo. A COVID lembrou a todos nós que somos iguais! Mas, mesmo assim, verificamos que sua infecção atingiu de forma diferente os indivíduos, geralmente ampliando a desigualdade.

O debate provocado pela pandemia entre coletivização ou individualização da saúde, que levou até as pessoas a se recusarem a ser imunizadas contra a doença, evidencia as tensões que essa proposta de redução da desigualdade provoca. Mesmo sabendo que sua saúde depende de outras pessoas, os negacionistas fazem de tudo, exceto se vacinar, para se safar da doença. Essa busca desesperada pela autopreservação, semelhante apenas ao obstinado encalço pela vida eterna, impede qualquer resquício que possa haver de solidariedade.

De certa forma, essa atitude individualista radical nega a interdependência e combate as iniciativas de coletivização, tais como o transporte público, o saneamento básico e também o SUS, vistos como gastos com os outros e não consigo mesmo. Ou seja, esse tipo de postura tem um caráter suicida, pois pode comprometer irremediavelmente nossa vida no planeta Terra. Combater essa conduta, além das satisfações imediatas obtidas, tem também um significado de preservação da humanidade no futuro.

A equidade que almejamos, tal como a definida pela lógica, é uma relação de equivalência: de qualquer maneira que consideremos os indivíduos eles se equivalem e cada um deles pode ser substituído por outro sem provocar nenhuma alteração, exceto a própria permuta. Só assim podemos nos identificar com outros para agir solidariamente. É essa identidade que todo cidadão precisa tirar para legitimar sua humanidade.


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