Da educação por competências e habilidades à Educação em Direitos Humanos

Flávio Alves Barbosa

Desde os anos de 1990, nos rondava o espectro de uma educação por competências e habilidades procurando gestores, professores e alunos para devorar. E, infelizmente, nos anos de 2017 e 2018, o espectro se corporificou com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) e a aprovação e homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A BNCC estabelece que toda educação deve, obrigatoriamente, assumir as suas medidas como próprias. Aquelas de menor medida não poderão assim permanecer e devem ser esticadas, e as que a excederem devem ser cortadas, ambas devem atingir as mesmas dimensões da BNCC. Com isso, o que a educação por competências e habilidades nos conduz à produção mulheres e homens mutilados. E tudo será controlado por meio de uma avaliação educacional censitária, cabeça por cabeça, para que nada escape ao controle da reforma empresarial da educação.

A educação que tem como objetivo o desenvolvimento de competências e habilidades, na verdade, quer capacitar, treinar, os educandos para responder a demandas imediatas. O protagonismo que ela proclama é pura retórica, tão somente uma estratégia para instrumentalizar e comandar. Os projetos que educam pelo desenvolvimento de competências e habilidades mantêm-nos sempre defasados, sem possibilidade de transcender a realidade existente, porque estamos retidos na preocupação de resolver os problemas de hoje, e não mais do que isto. Uma educação sem tempo, sem memória e que não abre perspectivas de futuro.

Uma educação preocupada em construir competências e desenvolver habilidades é altamente limitante, porque faz o educando se conformar com os grãos que recebe para ciscar, andando sempre em círculo, prisioneiro da insensibilidade que conduz à despersonalização. Centrada na capacidade performática, a prática educativa não vê sentido na emancipação, mas tão somente na adequação a um contexto previamente determinado. A educação performática alia a transmissão de informações e aprendizagem de procedimentos para ampliar as condições de produzir mais do mesmo, sempre repaginado.

A educação por competências e habilidades nos conduz a um labirinto como aquele onde habitava Minotauro, criatura assustadora da mitologia grega que se alimentava de seres humanos. Essa educação também se alimenta do cerceamento da nossa autonomia e da liberdade de criar e cultivar a verdadeira vida coletiva e pessoal, que é o que nos humaniza e nos livra de ser meros dados numa contabilidade alheia.

Para escapar desse labirinto, penso que devemos trabalhar em rede, como o fez Ariadne e Teseu, e proponho que nosso fio seja a Educação em Direitos Humanos. A educação em direitos humanos é o convite para um caminho comum de errância cujo sentido está em passar de uma subjetividade fechada em si mesma a uma subjetividade aberta e relacional, a uma intersubjetividade. Ela me possibilita pensar um sujeito e uma subjetividade à luz dos direitos humanos que me leva a uma verdadeira aproximação das experiências vitais de quem é diferente de mim.

Na educação em direitos humanos ou no trabalho da educação para os direitos humanos, não se deve ter a preocupação em institucionalizar metodologias, pois o mais importante é estar no caminho do Outro, aprender a escutar. Sem dúvida, para quem trabalha com direitos humanos é importante aprender sempre a escutar.

 Educar em e para os direitos humanos implica na escolha do meu modo de vida, que deve ser um viver para o Outro. Para mim, uma vida para a alteridade implica sair do centro, considerar que existem milhões de pessoas sem documentos, sem casa, sem saúde, sem lazer, sem trabalho ou submetido ao trabalho escravo, sem educação, sem comida e sem água. A educação em direitos humanos é uma educação-mandamento. Esta educação não é de modo algum prescrição ou atribuição de tarefas em vista de um comportamento moral a ser assumido como forma de autopreservação neste labirinto que é o modo de produção capitalista.

O paradigma da educação em direitos humanos, da educação na qual acredito, é o da gratuidade, da bondade, da sensibilidade, que transfigura a vida violentada e jogada às margens do mundo. Em um mundo que naturaliza a indiferença, a educação em direitos humanos é um caminho para devolver à educação à dignidade, possibilitando reconstruir o seu verdadeiro sentido, que é o  sentido do humano, para que não percamos a sensibilidade, a capacidade de pensar, de se indignar, de amar e de agir diante dos apelos eloquentes dos viventes deste mundo, imersos num mar de mal-estar e com ânsias de libertação.

Sobre o autor
Cientista social, professor da Universidade Estadual de Goiás e Doutorando em Educação na Universidade Federal de Goiás. As ideias trabalhadas neste texto são parte da dissertação de Mestrado do autor.


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