Crianças com deficiência atrapalham?

Berenice de Freitas Diniz
Rose Ferraz Carmo
Zélia Maria Profeta da Luz

Ao nosso ver, o que atrapalha é a não garantia de direitos pelo Estado brasileiro, é o estigma, a discriminação e o preconceito. 

Contextos de crise sanitária, como o provocado pela pandemia da Covid-19, realçam vulnerabilidades já presentes em nossas sociedades, nos apresentam outras e nos apontam a urgência da efetividade de princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) tão importantes como a equidade, a integralidade e a intersetorialidade, mas acima de tudo nos convocam a defender esse sistema que configura o maior sistema de proteção social do mundo.

Recentemente vivenciamos a epidemia de Zika que ficou conhecida principalmente devido ao nascimento de crianças com microcefalia que, depois de vários estudos, foi denominada Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZ).

A SCZ apresenta um conjunto de sinais e sintomas envolvendo o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, anormalidades auditivas, oculares, desproporção craniofacial (macro ou microcrania em relação à face), epilepsia, irritabilidade, malformação articulares de membros, dentre outros. 

Diante do cenário imposto pela epidemia da zika, um estudo da Fiocruz Minas iniciado em 2016, teve como proposta compreender as redes de solidariedade conformadas e acionadas por mães de crianças com a SCZ do grupo Mães de Anjos de Minas.

O estudo está inserido no projeto de pesquisa Vamos Junto? que visa a mobilização social para o enfrentamento da dengue, zika e Chikungunya. 

Observamos durante a pesquisa que o grupo Mães de Anjos de Minas se estruturava, por meio da solidariedade, com o compartilhamento de informações, discutindo a importância da organização coletiva para articular suas ações junto aos setores de saúde, educação, assistência social, transporte, de modo que esses setores pudessem compreender e atender à complexidade das demandas das crianças, considerando todo o núcleo familiar principalmente mães, pais e irmãos. 

O grupo também se constitui como um local para refletir sobre o uso do espaço público, de modo equânime com acessibilidade, garantindo às Pessoas Com Deficiência (PCD) o direito de ir e vir. 

Historicamente e durante muito tempo, não tínhamos políticas públicas voltadas a atender as necessidades das pessoas com deficiência no Brasil. 

Atualmente, nosso país possui legislações abrangentes que garantem um conjunto de direitos sociais às pessoas com deficiência e, isso se deve ao protagonismo social dessas pessoas que se organizaram para lutar por seus direitos.

Para preencher as lacunas e reconhecer as falhas históricas da falta de cuidado às PCD no campo das políticas públicas, indo ao encontro da determinação da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, foi criado por meio do Decreto n.º 7.612 de 17 de novembro de 2011 o Plano Nacional dos Direitos da PCD, denominado Plano Viver sem Limite. 

Esse Plano tem como diretrizes a garantia de um sistema educacional inclusivo, com equipamentos acessíveis e transporte adequado, ampliação no mercado de trabalho e qualificação profissional, o desenvolvimento e inovação em tecnologia assistiva, da prevenção das causas da deficiência, a garantia da ampliação: a) do acesso às políticas de assistência social e combate à extrema pobreza, b) da qualificação da rede de atenção à saúde da pessoa com deficiência, em especial os serviços de habilitação e reabilitação, do acesso das pessoas com deficiência à habitação adaptável e com recursos de acessibilidade e promoção do acesso.

As crianças com microcefalia são consideradas PCD, no entanto, as famílias afetadas encontram muitas barreiras para terem os seus direitos, que são garantidos constitucionalmente e por meio de legislações. No nosso estudo, as Mães de Anjos de Minas relataram que, dada a garantia na lei até a ação concreta, é preciso percorrer um caminho longo e com muitas dificuldades. Para elas, o direito precisa sair do papel!

Nos relatos dessas Mães os serviços de saúde se apresentaram como o setor mais demandado pelas crianças e suas famílias, principalmente o serviço público de saúde. Diante disso, o SUS é um ponto estratégico dessa rede de atenção e cuidados, devendo ser articulada com os demais setores como a educação e assistência social. 

Entendemos, e o trabalho com a Mães de Anjos de Minas reforçou, que só é possível proteger a vida das pessoas, se tivermos um Estado de Proteção Social com financiamento adequado para a implementação das políticas públicas abrangentes que garantam o acesso e que respondam às necessidades das pessoas e coletividades com qualidade. 

Entendemos também que no nosso país a organização e mobilização devem ser constantes, para a garantia dos direitos, cumprimento das legislações e contra retrocessos nas políticas públicas.  

Assim, como na epidemia de Zika, acreditamos que a organização dos sujeitos e coletividades para provocar a transformação das realidades sanitárias, a mobilização social deve ser considerada como uma ação essencial para a garantia de direitos. 

O nosso convite para vocês é: Vamo junto?

 

1 – Berenice de Freitas Diniz é pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa Educação, Saúde e Cidadania. 

2 – Rose Ferraz Carmo é analista em educação e pesquisa da Escola de Saúde Pública de MG e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação, Saúde e Cidadania. 

3 – Zélia Maria Profeta da Luz é pesquisadora da Fiocruz Minas e coordenadora do Grupo de Pesquisa, Saúde, Educação e Cidadania. 

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


 Imagem de destaque: Flickr

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