Comunitarismo e Educação para a Cidadania: início de conversa

Antonio Carlos Will Ludwig

O   comunitarismo,  que  é  um  referencial  teórico   sustentador  da  cidadania  ativa originou-se  na década de oitenta do século passado a partir de uma divergência em relação ao liberalismo, ou seja, quanto a um de seus pilares que é o da prevalência da figura do indivíduo. Apesar de não propor a derrocada do liberalismo, ele pode ser entendido como uma corrente da Filosofia voltada para a moral e a política e que enfatiza o caráter fortemente social do indivíduo. Tal ênfase encaminha-se a apresentar o ser humano como um ente essencialmente político, e consequentemente um cidadão.

Segundo Fernando Bárcenas, os comunitaristas defendem em primeiro lugar, que os indivíduos se socializam em comunidades, dentro de um contexto histórico e social, o qual proporciona a eles uma identidade coletiva: a cidadania. A favor desta colocação essencial, Bárcenas assevera que a teoria política liberal encara a vida coletiva como algo não social, desmembrada e dissociada. Cada indivíduo se imagina só, separado e desligado de vínculos comunitários. Ao contrário de tal visão, os comunitaristas defendem que os indivíduos mantêm fortes vinculações emocionais e cívicas com os demais.    

De maneira sintética deve ser dito que esta ideologia diz respeito ao que é pertencente ou  característico de uma comunidade a qual faz referência a grupos específicos tais como as comunidades política, militar, religiosa, revolucionária, ecológica, etc. Uma cidade também pode ser alcunhada de comunidade.

Embora na atualidade o comunitarismo seja visto como uma reação ao liberalismo é sabido que no decorrer da história várias modalidades se manifestaram. A esse respeito Pedro Schimidt apresenta uma relação delas. Talvez a mais antiga diga respeito às originais comunidades cristãs que agregavam indivíduos de diferentes classes sociais, culturas e nacionalidades, disponibilizavam a todos os bens de cada um e concretizavam frequentemente reuniões domésticas.

Dentre outras, menciona também o movimento anarquista desejoso de substituir o Estado pela sociedade, cujos seguidores valorizam o apoio mútuo, a cooperação e a solidariedade, encorajam a implantação de cooperativas e apoiam as múltiplas formas de organização popular incidentes na educação, na assistência, no lazer. Cita ainda as localidades onde o pensamento autoritário foi colocado em prática. Como exemplo aponta o nazismo na Alemanha que fez uso intensivo do conceito de volksgemeinschaft cujo significado é o de comunidade popular.   

Tal conceito fundava-se na crença da genuína igualdade dos alemães e na admissão incontestável das diferenças que os distinguiam dos demais povos da terra. Outrossim expôs as características do denominado republicanismo cívico que enfatiza a ideia do bem comum, valoriza a virtude cívica e incita a participação política dos cidadãos nas questões governamentais. É central em tal concepção a assertiva de que o homem virtuoso é aquele que não tem dúvida além de que a realização do bem comum é condição para a concretização do bem individual porque assume como certo que o bem comum tem total precedência sobre o interesse privado.

Atualmente podem ser apresentados dois exemplos de experiência comunitária. Um deles é pertinente ao município de Marinaleda situado na província de Sevilha na Espanha. Quase todos os habitantes desta cidade trabalham numa cooperativa de alimentos e recebem um piso salarial definido coletivamente. Embora tenha um grupo atuante de vereadores, todas as questões relativas a impostos, emprego, habitação e outras também relevantes passam pelo julgamento popular durante as várias dezenas de assembleias que ocorrem anualmente. 

Outro exemplo situa-se na região norte da Itália cujos moradores exibem um padrão de engajamento cívico muito elevado e dinâmico. Seus habitantes são bastante ativos, a maior parte da população costuma se envolver em atividades nas múltiplas organizações sociais, são dotados de espírito público, predomina entre eles um igualitarismo nas relações políticas e a organização da sociedade se baseia nas condutas de colaboração e de confiança mútua.

Aristóteles é o filósofo mais antigo que confere fundamento ao comunitarismo inicialmente referido. Segundo este pensador o homem é um animal político, ele não se mostra como um ser completo em si mesmo, consequentemente necessita de outros seres humanos para buscar a sua plenitude. De acordo com Aristóteles, a virtude mais importante na vida política democrática é a dedicação aos assuntos públicos com vistas à realização do bem comum que é capaz de concretizar a solidariedade, a unidade e a perenidade da república. Esta participação cívica se refere ao envolvimento direto dos cidadãos nas assembleias periodicamente realizadas para a tomada de decisões governamentais.   

Hegel também oferece a sua contribuição. Para ele, o aspecto público do homem é um dos traços principais de sua natureza e a cidade é o lugar onde deve permanecer. Enquanto um ser livre e orientado pela moral ele só se realiza vivendo em comunidade. A família emerge como o grupo inicial responsável pelo ponto de partida de seu desenvolvimento ético o qual possui uma relevância especial no preparo para a vida no âmbito da sociedade civil onde é possível efetuar o convívio social e praticar a liberdade individual.  

Uma colaboração muito importante vem de Parsons. Para este sociólogo o ato pessoal deve ser compreendido como um sistema composto por quatro elementos: um agente, um objetivo orientador, uma situação determinada e um conjunto de meios adequados ao alcance do objetivo. Neste sistema o elemento situação envolve outras pessoas, suas ações mais os efeitos das mesmas no conjunto. Assim sendo, segundo ele, os homens não só reagem a estímulos, mas também, em algum sentido, tentam fazer com que sua ação esteja de acordo com padrões que são, por parte do ator e de outros membros da mesma coletividade, considerados desejáveis. Isto indica que existe um aspecto voluntário no comportamento humano, e que, portanto, nem todas as ações individuais   são   condicionadas.  Este  traço  arbitrário   da  conduta  se  mostra  muito importante para a perenidade social que é consequência e um equilíbrio entre a liberdade de cada um e os influxos da padronização cultural. Em decorrência Parsons julga que os indivíduos podem se organizar, instituir compromissos coletivos e forjar consensos que viabilizam o surgimento de uma sociedade estável e produtiva.  (continua na próxima edição)


Imagem de destaque: Comunidade quilombola Sacopã, na Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro. Tânia Rêgo / Agência Brasil

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