Bolhas, bolhas…

Patrícia Gonçalves Nery

As bolhas de sabão sempre nos fascinaram, crianças e adultos. Igualmente, se pode dizer com relação aos cientistas que desde o final do século XIX oferece-nos explicações sobre a formação das bolhas e os efeitos coloridos em suas superfícies. Trata-se de um filme fino de líquido circundado por ar, com propriedades elásticas. A água no seu interior lhe dá estabilidade e as mudanças de cores, como as de um arco-íris, ocorrem devido à reflexão e à refração da luz.

Bolhas também passou a ser a denominação dada aos modos de organização nos espaços escolares, quando do retorno presencial das crianças às aulas, em um cenário no qual ainda enfrentamos a pandemia pela COVID-19. Nesse caso, a bolha, formada por um grupo de crianças com um (a) professor (a), tem o objetivo de mantê-las isoladas de outros grupos de crianças. Sem dúvida, é uma triste associação. No entanto, essa experiência nos mostra que, como as bolhas de sabão, nesses novos agrupamentos, pretensamente isolados, há elasticidade e mudanças. Por mais que se queiram estabelecer dura disciplina e guiar a rotina das crianças na escola com regras conscientes para a garantia mínima da prevenção e da proteção, as crianças encontram meios para fazer os devidos ajustes. Um desses meios é a brincadeira. “Como pode?” diz a professora, “as crianças querem brincar de pega-pega no recreio”. Mas, logo pega-pega? Correr, pegar, abraçar, tudo o que se busca evitar com as bolhas!

A brincadeira é um desses acontecimentos completos em cuja dimensão, ao mesmo tempo, a realidade é ficcionalizada e o imaginário gera realidade (YUNES, 2012). Como diz Gilles Brougère (2010) nem tudo serve à brincadeira, é necessário que os modos, os elementos simbólicos e os brinquedos façam parte da estrutura lúdica das crianças ou que recriem tais estruturas. Brincadeiras como pega-pega envolvem as crianças em negociações de regras, definições do espaço/tempo, cooperação entre os protagonistas – os atores da brincadeira -, e a ação propriamente dita. Realizam-se diferentemente, pois combinam-se com as condições etárias, sociais, culturais e econômicas dos grupos de crianças. Brincar é uma forma de encontro, de abraço, de movimento, de afeto. É uma forma também de resistência e subversão.

A palavra é outro meio, caminho, encontro que possibilita não só subverter a ordem das coisas, mas também nos encorajar diante, muitas vezes, do embrutecimento da vida/morte humana. Márcia, uma das nossas alunas da Faculdade de Educação da UEMG, construiu uma experiência de escrita com as crianças do seu convívio, expressando as impressões e os sentimentos do vivido. Para tanto, buscou nas palavras respeito, incompreensão, conexão, movimento, brincadeiras, miudezas, experiência, liberdade e imaginação, a inspiração para a montagem da palavra poética com as crianças.

 

Mão e mãozinhas na Pandemia

Se me permitem roubar a fala, gostaria de me antecipar.   

Falar de crianças é uma alegria, é de emocionar.  

Mas a pandemia… das crianças roubou o momento, 

Privando-as de ter livre movimento. 

A sociedade preocupada com outras coisas, 

pela infância demonstrou incompreensão. 

Limitando seu ir e vir, mantendo-as em clausura 

Covid-19 foi sinônimo de privação de liberdade 

Não se podia mais passear pela rua e cidade. 

Mudança de hábitos, do comércio à educação… 

Procuramos a tecnologia para não perder a conexão. 

Distanciamento e isolamento social para todos 

As crianças dizem em coro: chato, ruim, entediante, 

Vírus para cá, vírus para lá, vírus só sabe matar. 

A infância no desenvolvimento de suas miudezas

perdeu a interação, quantas tristezas!

O vírus pela vida não demonstrou nenhum respeito

Levando a saúde, tirando o ar e deixando a mão no peito

As pessoas da saúde se viram sem experiência

No combate ao vírus, recorreram à ciência.

Para as crianças: fora do ninho, chato demais brincar sozinho!

Brincadeiras, para crianças é sempre difícil de não ter

Estar junto com o amiguinho, aglomerar, juntos conviver.

O povo, nos protocolos de segurança, está fazendo a ação

Para as crianças, espaço para socializar só na imaginação.

 

Essas ações empreendidas pelas crianças entre si e com os adultos alteram a configuração das bolhas, iluminando-as de dentro para fora. São esses movimentos que ativam e mantêm as nossas esperanças em poder vê-las e ouvi-las, muito em breve, estourando.

 

Participou dessa escrita: Márcia de Souza dos Santos (aluna do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UEMG). 

 

Para saber mais:

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 2010.

YUNES, Eliana. A contadora de histórias ou a moça tecelã. In: COLASANTI, Marina. Como se fizesse um cavalo. São Paulo: Editora Pulo do Gato, 2012.


Imagem de destaque: Brocken Inaglory

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