As várias faces da intolerância

Eugênio Magno

Nos artigos Educação para a paz e Até onde vai a tolerância, refletimos sobre tolerância e cultura de paz. Esses, aliás, tem sido temas de uma série de episódios do nosso podcast, Política com Fé, disponíveis na plataforma Anchor

Além dos estudos da pesquisadora inglesa Fiona Macaulay e do sociólogo norueguês, Johan Vincent Galtung, um dos pioneiros na sistematização dos estudos da educação para a paz, já citados nos referidos artigos, outra referência para se trabalhar para uma cultura de paz é o livro “TOLERÂNCIA: Por uma ética de solidariedade e de paz”, de autoria de Bernhard Häring e Valentino Salvoldi, editado pela Paulinas. 

Os autores fazem, no primeiro capítulo do livro, uma exploração das várias faces da intolerância e afirmam que rigidez, impaciência e desencontro são algumas características de sua manifestação. A história humana é recheada de exemplos de conflitos variados que remontam à antiguidade, ao mesmo tempo em que são registrados, desde tempos remotos, os esforços humanos para administrar de forma pacífica a convivência. Todavia, incorrendo em equívocos como a exclusão ou a marginalização, tendo em vista controlar determinados grupamentos sociais, definindo-os com base na atividade econômica, na riqueza, na ascendência e/ou na raça.

As religiões, em muitos momentos, contribuíram fortemente para acirrar conflitos e continuam a justificar divisões por questões de crença e práticas socioculturais que vão desde a alimentação e vestuário (ou a ausência deste) ao sexo, ao poder de Estado e às guerras, sacrilegamente chamadas de “guerras santas”.

Todas essas questões de ordem relacional, comercial, política, religiosa, não são apenas resquícios do passado. Na atualidade, todos os dias, a mídia nos dá conta de episódios de intolerância no ambiente doméstico, nas fronteiras entre países e nas muralhas econômicas e de concreto que se erguem por todo canto e dividem pobres e ricos, brancos e pretos e índios. Häring e Salvoldi nos desafiam a utilizar nosso próprio vocabulário para pesquisar o quanto são reveladores os pensamentos e os preconceitos que saltam com uma conotação altamente pejorativa ao nos atentarmos para palavras como “estrangeiro”, “diferente”, “bárbaro”, “vândalo”, “judeu”, “negro”, “cigano”, “pobre”, dentre outras que designam minorias na perspectiva sociológica. Nesse sentido, nunca é demais lembrar que esse conceito de igualdade entre todos os seres humanos é uma conquista muito recente do mundo ocidental. Na festejada democracia de Atenas dos séculos quarto e quinto antes de Cristo, as mulheres, os estrangeiros e os escravos eram excluídos da categoria de cidadãos. A Idade Média se caracterizou pelo poder feudal, baseado nos laços de sangue e a Idade Moderna foi palco das maiores manifestações de intolerância até então vistas, como extermínio de índios, Inquisição Espanhola e Caça às Bruxas, para ficar com apenas esses poucos exemplos, uma vez que enumerá-los seria nauseante. Mas nem todo mal pereniza. Foi justamente em meio a essa situação que, suscitou no interior do pensamento iluminista as reflexões em torno da intolerância e da igualdade entre as pessoas.

No verbete “tolerância” do seu Dicionário Filosófico, Voltaire define tolerância como “o apanágio da humanidade. Somos todos cheios de fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices, tal é a primeira lei da natureza”. 

E para encerrar esses apontamentos do primeiro capítulo do livro, ressalto a observação dos autores de que “Foi a Revolução Francesa (1789-1799) que mostrou as dificuldades da tradução prática de um ideal (‘égalité, liberté, e fraternité’), ou seja, as palavras de ordem da revolta e as graves consequências da distorção dos princípios iluministas. Não obstante as péssimas cópias históricas das ideias originais, a contribuição do mundo ocidental para a comunidade dos homens tem como eixo os conceitos de liberdade e igualdade nascidos com os filósofos iluministas e expressos nas formas ainda rudimentares das primeiras declarações dos direitos do homem e do cidadão, em 1776, pelos colonos americanos, e em 1789, pela Assembleia Constituinte Francesa”.

O fundamento da tolerância está no fato de que todos os homens são iguais por natureza, têm as mesmas fraquezas e as mesmas aspirações à felicidade.


Imagem de destaque:  Editora Paulinas

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