Academia brasileira de letras: a casa de Machado de Assis – parte I

Alexandre Azevedo

Idealizada pelo escritor Lúcio de Mendonça (1854-1909), fundada por Machado de Assis (1839-1908) e Joaquim Nabuco (1849-1910) em dezembro de 1896, a Academia Brasileira de Letras ou simplesmente Casa de Machado de Assis, tornou-se a instituição literária mais amada e odiada do Brasil. Apesar de símbolo do conservadorismo intelectual, teve a Academia, ao longo de sua história, alguns rompantes de liberalismo. Entretanto, antes de entrarmos no mérito desta questão, vale o registro da importância de Joaquim Nabuco não só como fundador da citada Casa, mas como na sua consolidação. Seguindo o modelo histórico-literário da Academia Francesa, coube a Machado de Assis a ala literária e ao autor de Minha Formação, a histórica. Sua influência sobre os outros acadêmicos era tão grande que como não aceitar em seu quadro de escritores Graça Aranha (1868-1931), que na época de sua candidatura, não havia sequer publicado um livro – e ter um livro publicado era condição sine qua non para a inscrição de quem almejava uma cadeira de imortal –, mas que era o fiel escudeiro e secretário particular de Joaquim Nabuco? E que história teve o grande romancista de Canaã dentro da Academia. Conhecido como o padrinho dos novos escritores, Graça Aranha, representante do pré-modernismo na Semana de Arte Moderna – foi justamente Graça Aranha quem abriu a Semana com uma conferência sobre a arte modernista –, revoltando-se contra o pensamento acadêmico de seus confrades, gritou a plenos pulmões: se a Academia não se renova, que morra a Academia!, desligando-se dela, sem, contudo, ter deixado de ser um imortal. Aliás, não há explicação melhor que a do poeta parnasiano Olavo Bilac (1865-1918) – um dos vários sócios fundadores – sobre o porquê de chamar todo acadêmico de imortal: o acadêmico é imortal porque não tem onde cair morto! O certo é que a Academia teve lá as suas inúmeras “pisadas na bola”, mas também os “gols de placa”.

A primeira “bola-fora” da Academia foi a polêmica eleição de Mário de Alencar (1872-1925), filho do grande amigo de Machado, José de Alencar (1829-1877). Com a morte da esposa, Carolina Novaes, “o Bruxo do Cosme Velho” praticamente só aceitava sair de casa se estivesse na companhia de Mário de Alencar, este tratado por Machado como um filho, que nunca teve. E, por esse motivo, deixou de frequentar as reuniões semanais da Academia, já que Mário de Alencar não era acadêmico, portanto, impedido de entrar na pequena sala de reuniões. A solução para tal impasse estava debaixo dos fartos bigodes dos intelectuais: fazer do filho do Alencar um imortal! Dito e feito. Em 1905, três anos antes da morte de Machado, Mário de Alencar assumiu a cadeira que antes era de José do Patrocínio (1853-1905), tendo sido recebido por Coelho Neto (1864-1934), outro grande amigo de Machado de Assis.

E o que dizer da eleição de Getúlio Vargas (1882-1954)? Ninguém ousou a entrar na disputa pela cadeira 37, anteriormente ocupada por José de Alcântara Machado (1875-1941). Eleito por unanimidade, Getúlio Vargas proferiu um dos mais belos e profundos discursos sobre o árcade-maior, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), o patrono da cadeira! E nessa linha getuliana, de pseudoescritores, um número considerável já exibiu, de maneira imponente, o fardão acadêmico: Roberto Marinho (1904-2003), Marco Maciel (1940), Ivo Pitanguy (1926), além de Alberto Santos Dumont (1873-1932), o “pai da aviação”, que não chegou a tomar posse. Também não podemos nos esquecer das incríveis recusas de autores que, hoje, seriam convidados a fazer parte do tão disputado assento: Cruz e Sousa (1861-1898), Lima Barreto (1881-1922), Monteiro Lobato (1882-1948), Oswald de Andrade (1890-1954), Mario Quintana (1906-1994), célebre autor do Poeminha do contra (os acadêmicos que o rejeitaram por algumas vezes): Todos estes que aí estão / Atravancando o meu caminho, / Eles passarão. / Eu passarinho!… Há também aqueles nomes que não podiam (e não podem) nem cogitar a possibilidade de ingressar na casa machadiana, dentre os famosos antiacadêmicos, podemos citar: Graciliano Ramos (1892-1953), Érico Veríssimo (1905-1975), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Manoel de Barros (1916-2014), Antonio Candido (1918-2017), Dalton Trevisan (1925).

Em contrapartida, a mesma academia anotou os seus “gols de placa” em eleições jamais pensadas, surpreendendo até o mais antiacadêmico de todos, a começar por João do Rio (1881-1921), pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, o cronista da cidade, o nosso “Oscar Wilde brasileiro”, o primeiro a exibir o pomposo fardão acadêmico. Outra “bola-dentro”, foi a eleição de Rachel de Queirós (1910-2003), quebrando um preconceito de 81 anos, fazendo com que a primeira mulher finalmente se tornasse uma imortal – anos antes a mesma Academia havia recusado a candidatura de Dinah Silveira de Queirós (1911-1982), que só viria a ser eleita em 1981, além da escritora e jornalista Amélia de Freitas Beviláqua, esposa do imortal jurista Clóvis Beviláqua (1859-1944). Este, indignado com tal recusa, escreveu:

A interpretação dada aos Estatutos da Academia pela maioria dos membros da corporação é, manifestamente, ábsona (discordante). Repelem-na, além dos preceitos elementares de hermenêutica, os sentimentos da justiça e a mentalidade contemporânea, que não considera a inteligência da mulher, no poder criador e no brilho, inferior à do homem e lhe abre espaço a todas as nobres conquistas do espírito, com alto proveito para a civilização (FERNANDO JORGE, p.161).

Para amenizar esta falha tão grave, Josué Montello (1917-2006), um dos mais ardorosos defensores da Academia Brasileira de Letras, em seu Anedotário geral da Academia Brasileira, escreveu sobre uma possível presença da mulher entre os acadêmicos:

Quando faleceu Francisca Júlia da Silva, coube a Humberto de Campos fazer-lhe o necrológio, numa das sessões ordinárias da Academia. Grande admirador da poetisa paulista, Humberto ressaltou, no seu discurso, que, se o quadro dos sócios efetivos da Casa de Machado de Assis admitisse a presença feminina, a poetisa de Mármores, com toda a certeza, teria participado desse quadro (MONTELLO, p.84).

(Continua)

Para saber mais
FERNANDO, Jorge. A Academia do fardão e da confusão, São Paulo: Geração Editorial, 1999.

MONTELLO, Josué. Anedotário geral da Academia Brasileira, 2ª ed. São Paulo: Livraria Martins editora, 1974.


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