A rua Dez de Novembro

Dalvit Greiner

Nos anos de 1970, recém-chegado a Belo Horizonte, moramos na rua Dez de Novembro. Na minha meninice, nem fazia ideia do que queria dizer aquela data que se transformara em rua. Achava estranho, até estudar e compreender o que ainda tenho como bizarrice burocrática.

Ruas também são monumentos e os governantes se esmeram em reproduzir suas ideias e ideologias, suas crenças e todos os seus “ismos” no nome das ruas da cidade. A rua Dez de Novembro é uma homenagem ao golpe de estado perpetrado por Getúlio Vargas, que ficou conhecido como o Estado Novo.

O bairro surgiu nos anos 1960 a partir de uma ocupação de pessoas vindas do interior. A partir de 1965 os prefeitos das capitais passaram a ser nomeados pelo regime militar. Eu na escola aprendi que o prefeito de Belo Horizonte era Oswaldo Pierucetti. Na rua, estava mais preocupado com a Seleção Brasileira de Futebol. O que sabia ou entendia de política não passava do nome do prefeito.

E agora, um exercício de imaginação: o prefeito de plantão – ou até mesmo algum vereador – resolveu forçar e reforçar uma homenagem ao golpe anterior. Bairro novo, ruas desconhecidas. Ficaria muito feio trocar o nome de alguma rua famosa. Mas, o que interessa é que cheguei no bairro e a rua já tinha esse nome, essa data.

À medida em que ganhamos musculatura intelectual (conhecimento) a gente vai se indignando com certos monumentos. Foi o que aconteceu comigo. Já não morava mais na rua Dez de Novembro quando, ao estudar os livros de História via a data do golpe de Getúlio Vargas.

Um golpe de Estado que se pretendia “salvar o Brasil do comunismo”. O discurso já tinha certa idade: desde que o socialismo e o comunismo entraram no campo de batalha que a direita o combateu pelo medo e pelo ódio. Incute o medo na cabeça daqueles que acreditam, sem provas, e passam a apoiar o “salvador”.

O Plano Cohen era falso. Uma mentira, que o Exército datilografara e mandara aos jornais, anunciava-se uma nova Intentona Comunista. O documento fora forjado por aqueles que queriam Getúlio Vargas como presidente, porém não queriam correr o risco de uma eleição, em 1938. Seus interesses eram muito maiores que o povo ou o Brasil.

Com um falso plano nas mãos, o apoio das Forças Armadas, Getúlio Vargas empoderou-se e aplicou um golpe de Estado em si mesmo, o governante eleito – mesmo que indiretamente – em 1934.

Essa mentira custou muito ao Brasil e a vida daquelas e daqueles que lutavam por um país melhor. Na esteira desses custos políticos e sociais perdeu, principalmente,  a educação. As discussões em torno da Escola Nova e a cooptação dos intelectuais da área, que se puseram a serviço do Estado, não redundaram numa lei de diretrizes e bases da educação nacional.

As discussões capitaneadas por Fernando de Azevedo, que seria a nossa primeira LDBEN, foram abortadas e engavetadas com o golpe do Estado Novo. A lei passara na Câmara Federal e seguiu para o Senado quando houve o Golpe de Estado e a dissolução do Congresso.

O dia 10 de novembro deveria ser o dia do fake news. Para que todos e todas se lembrem de como uma mentira, uma notícia falsa, uma fala odienta põe muita coisa a perder. Até mesmo um projeto de nação, a meu ver, o principal objetivo de uma educação pública e gratuita.


Imagem de destaque: Caricatura de J. Carlos sobre a campanha sucessória, 1937, in: LIMA, Hernan. História da caricatura no Brasil, volume 1.

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